quinta-feira, 24 de maio de 2012

Barcelona- cinco línguas, Festival Internacional de Poesia, haxixe, etc


Fotos de Ana Laura Kosby e Marco Celso Huffell Viola


Barcina,poema visual de Juan Brossa que indica o nome primitivo de Barcelona




O encontro marcado às 11h com o locatário em frente ao Mercado Santa Catarina, dava  um aspecto de clandestinidade.  Ele vai entregar as chaves de um apartamento no bairro Gótico, já pago em frente a um mercado?
No horário marcado aparece Javier com as chaves na mão. Não é mesmo um locatário que inspire confiança, usa jeans, uma barba torta, mal feita e fala rápido, mal dá para entender o que diz:
-Precisei marcar aqui porque o apartamento fica numa dessas ruas atrás onde os automóveis não entram e os motoristas de taxi ficariam dando voltas. Vamos lá, é aqui ao lado do mercado!
Entramos numa viela ao lado do Mercado Santa Catarina e ele nos conduz a ao número 4 da Carrier  del Tragí. As vielas do Bairro Gótico tem nomes de profissões, etnias, etc, mas essa não consegui entender o que significa.
São vielas muito estreitas.
Xavier explica rapidamente quais as chaves que se usa para abrir a porta de ferro trabalhado do prédio  é pede para ajudar a carregar a bagagem. Temendo as escadas a frente, pergunto por perguntar: - que piso és?
Ele reponde subindo as escadas:
-Tercero.
Eu havia esquecido que não havia elevador e como o térreo que não é considerado andar, subiríamos quatro andares com a bagagens nas costas. Agora não adianta reclamar, resta a esperança que o apartamento seja bem arrumado num prédio que tem no mínimo 600 anos de idade.
E, é. O apartamento tem dois quartos, fogão, máquina de lavar e duas camas de casal, água quente,etc. E mais importante, está ao lado do mercado Santa Catarina, o único mercado do mundo coberto com lajotas cerâmicas.


Arroz Negro e um poeta indica Doces do Céu num subterrâneo



Instalados era hora de sair a cata do que comer. Decidimos evitar os pequenos restaurantes que cercam o prédio e entramos Santa Catarina a dentro.
O mercado é fantástico, tudo de bom em frutos do mar e o melhor das especiarias da Espanha.
Querendo evitar os Tapas e na ignorância do que pedir deparamos com o Bar Joan, um restaurante com um balcão e poucas mesas, todas ocupadas e com um menu bem diferente.
 Serve arroz negro. Esperamos a mesa vagar e sentamos ao lado de um médico alemão que  passa as suas férias em Barcelona por cinco ano consecutivos, tem uma esposa negra da Serra da Leoa e um filho pequeno. Tudo indica ser um ótimo local para comer às 14h30.
Um pouco atrapalhado no pedido ao garçon, pedimos o arroz negro e o que segue o menu.
Ele trouxe frango com batata frita ( até ele depositar o prato, acreditava que no menu havia escrito conejo e não polo) uma garrafa de vinho e solicitou um pouco de paciência pelo arroz. Quando esse chegou foi a apoteose da mesa,o arroz é tão  negro que para conseguir aquela cor, imaginei  que a tinta deveria ter sido extraída de uns quinze polvos. Mexilhões ou lula completam o prato. Muito, várias vezes  delicioso.

As cinco horas fomos encontrar o poeta Augustín Calvo Galan, que publicamos na revista  Alef, na Praça da Catedral. O ponto de encontro é na frente do Hotel Odeon, na Praça Catalunha, pedimos café para passar o tempo.
Quando ele chega a conversa flui com facilidade.

Augustín Calvo Galan, fala sobre sua cidade e a Revista Alef


Relato a ele a minhas dificuldades de falar o espanhol e ele me corrige, dizendo que o espanhol como língua na região não existe e sim o catalão, e que a língua geral em toda a Espanha é o castelhano, mas existem outras três línguas. Ali estava a minha confusão!
A primeira vez que havia estado em Barcelona, além de ficar pouco tempo, na cidade, ainda era o período franquista e falar com quem quer que seja era uma aventura. E havia lendas, no período, que não que não existia fechadura nas portas das casas, não por segurança, mas para facilitar a entrada da polícia.
Bom, daí para frente comecei a seguir o poeta em tudo que ele me dizia sobre seu povo e a cidade de Barcelona.
-Vou levar vocês onde os turistas não vão.
E Augustín parte conosco em direção a Catedral de Barcelona. Comento o custo da entrada para a Catedral (uma das mais belas catedrais góticas da Europa)de 6 euros e ele diz que nas horas da missa é de graça e já aponta na entrada da antiga muralha da cidade um poema visual de Juan Brossa feito com o antigo nome da cidade Barcina. Do edifício em frente há dois murais de Picasso adornando a fachada de um prédio recente.
O prédio na opinião de Augustín: - és mui feo, pero és Picasso!
E a partir disso ele nos leva para um viagem surpreendente pelo bairro Gótico iniciando pelo Carrier dos Juif.
-Aqui, no início da cidade era o bairro dos judeus.
Percorremos as vielas  que o poeta nos revela com respeito e admiração  por sua história. Fico pensando se conseguiria fazer o mesmo com ele nas cidades que vivi e vivo, no Brasil, creio que não. Claro, temos a nossa história, mas seus símbolos, suas marcas estão degradadas ou descuidadas e tudo é menor que isso aqui. Podemos dizer, sim, que temos 250 línguas e vários troncos linguísticos, mas elas estão na selva e sendo mortas gradativamente, porque nós mesmos, brasileiros, nem sequer sabemos quais são e como preservá-las.
Paramos em frente a um porta imensa adornadas por duas aldravas enormes  de ferro que enfeitam a porta com rostos de  selvagens.

-Aqui- diz Augustín- certamente era propriedade de alguém que enriqueceu na América e ao voltar fez questão de mostrar a origem de sua fortuna ostentando-a na porta.
Ele nos leva também por locais onde a Guerra Civil deixou suas marcas de balas na parede.
É impossível deixar de pensar em Lorca talvez enterrado embaixo de uma fonte como essa, aonde estamos, em uma praça no interior do bairro Gótico.


 Comentamos a ele sobre o XXVIII Festival Internacional de Poesia de Barcelona que está acontecendo na cidade.
Ele explica o Festival como uma atividade apoiada pelo Ajuntament de Barcelona ou seja, um equivalente a nossa Prefeitura é um  festival oficial que é  basicamente organizado por poetas “preferencialmente catalões”  e que privilegiam a língua catalã.



-Agora o Festival está menor- diz ele - já teve o dobro do tamanho, o custo aumentou muito e o Festival diminuiu. Eles, eventualmente chamam um ou outro poeta do exterior para dar essa conotação internacional, mas o cerne é catalão e aqui, quem não escreve em catalão é uma espécie de traidor. Ele  aponta no programa um outro poeta catalão importante, mas resume dizendo: - todo o ano são os mesmos!
Nada muito diferente do que acontece em nosso pequena e pretenciosa província, com uma pequena ressalva, há dentro do Festival um  acontecimento de “set-cents anys d’historia, ès la celebració poética més antiga D’Occident”. É o julgamento “Del Premi de Poesia Jocs Florals 2012”. Esses Jogos Florais, explica Galan, são feitos por poetas que escrevem sobre flores, e no concurso buscam ganhar a “sua flor”.
Caímos na risada.
E esquecemos o tal Barcelona Poesia, nenhum de nós estava interessado em escrever um poema floral, mesmo com essa primavera enfeitando a tarde com as gaivotas voando por todo lado.
Depois de nos indicar os subterrâneos onde está a primitiva história de Barcelona e explicar sem que eu entendesse muito bem a história dessa província autônoma da Espanha com uns policiais vestidos de forma estranha “Los Mossos de La esquadra” ele nos conduz dentro do labirinto para uma casa de chá no coração do bairro.
-Aqui os turistas não vem- ele frisa.




É uma casa subterrânea onde os doces são feitos por freiras  de todas as ordens religiosas da Espanha- Dominicanas, Clarissas e todas as outras.
Quis meter a mão no cardápio para carregar comigo, a dona da casa não permitiu creio que com receio de cópia. Os doces se não são divinos pelo andam perto disso.
Após o chá, nos despedimos de Augustín, prometendo  encontrar com ele dois dias depois no lançamento de um livro que ele faz a apresentação.

Músicos sem licença

Como nas outras capitais da Europa, você está caminhando na rua ou no metro e escuta,  como em Barcelona, o concerto de Aranjuez ou Bach ou ainda música  gitana tocada em dupla, som da na melhor qualidade.
Mais tarde, tomando uma cerveja e comendo uma pizza que não é pizza, uma coisa tradicional da região feita com queijo provolone e tomates, que vem fervendo na mesa, descubro que aqueles músicos em Barcelona, para tocar precisam autorização do Ajuntament.
Quem me conta isso é um músico uruguaio que toca onde consegue com seu trio.
Os locais para se tocar são determinados e se músico não tem licença tem seus instrumentos confiscados e ainda é multado. Ele, apaixonado por música brasileira, teve seu cavaquinho confiscado.
-Um cavaquinho- reclama triste, com a perda do instrumento- onde posso conseguir outro aqui?
E um aroma de haxi enche a noite e descubro mais uma faceta de Barcelona, se você plantar a popoula ou algumas das várias espécies da nossa conhecida canabis sativa ou maconha, e utilizar em sua residência, não dá nada!
Mas não dá vontade de rir?
-Mas e a semente? -Perguntaria um curioso “ interessao  ( já estou tentando hablar castelhano ou cataló)  no assunto. Compra-se em um lojinha dentro do Bairro Gótico. Bom, na sequência precisa-se de um bom vaso e um certo cuidado para a planta prosperar.
Você só acha que Porto Alegre Demais, ou algumas de nossas províncias ao sul do Equador maravilhosas é porque nunca saiu delas ou elas não saíram de dentro de você.
No meu caso é a segunda vez que bato pernas por Barcelona, e estou para conhecer os elementos mais preciosos dessa cidade, além de Gaudi e suas obras suntuosamente, genialmente loucas ou seja, para conhecer além de Augustín o poeta que já publicamos em nosso primeiro número da Revista Alef, mas outros poetas que fazem  com que o espírito dessa cidade e de outras cidade da Espanha permaneça vivo através do tempo. E nos certifica isso a matéria de Emilio Ballesteros, de Granada, que escreve na Alef sobre Cirlot, um poeta completamente desconhecido em nosso país e muito respeitado aqui, como devem ser os grande poetas.



Paris, a cultura dos apressados e ratos ladrões






Paris do alto da Notre Dame que faz 850 anos em 2013
Outro ponto de vista do alto de Notre Dame


Quando você passa alguns anos sem retornar a um local, ao voltar são inevitáveis as comparações. Mas Paris só pode ser comparada a ela mesma. Não adianta o Woody Allen dar voz a um personagem que graciosamente fornece um tema para um filme de Buñuel ou citar Gertrude Stein e misturar Tolouse Lautrec, Hemingwai, numa salada cultural apressada e mal feita, no seu Paris a Manhattan, ele como todo o cinema norte-americano faz o que sempre fez  ao criar o Tarzan ou o Zorro. Acultura e banaliza civilizações inteiras para o consumo fast food.
Nisso os gringos são bons, em criar refeições rápidas em leitura, cinema, teatro,  jogos, etc para consumo imediato e cujo o resultado é muito ruim.
E o Woody Allen que conheci aqui mesmo, pessoalmente, na antiga cinemateca de Paris(agora transformada em cinemateca de Passy) quando do lançamento de seus primeiros filmes não foge a regra, o personagem étnico angustiado  dele se esgotou com o tempo e ele comete uma bobagem dessas a ponto de dar um tema a Luis Buñel, cineasta que ele nunca jamais vai chegar nem perto com seu cinema água com açúcar metido a nervoso.
E essa mentalidade burra e arrogante que tem trazido a Paris filas e mais filas de turistas puxados como gado por um guia que leva na mão sempre um estandarte para que  os animaizinhos do rebanho não se percam. Isso é tão trágico que é possível ver como vi na Notre Dame uma idiota posando em pose de manequim de revista em frente a um daqueles túmulos de um éveque da cidade, Buñel puro, sem roteiro.
Não há mais a necessidade de ver, olhar, sentir o que uma imagem, uma estátua,  um poema ou que um lugar podem transmitir, basta registrar com as máquinas fotográficas.
Elas substituem o olhar, o pensamento, a cognição, para mostrar ao outro:
 -Estive lá!
É Woody Allen puro.
A arrogância do dinheiro tentando impor seus costumes vazios e hábitos de vida ocos, sem nenhum substrato espiritual. É a compreensão rápida do você vive, num comprimido, numa resposta imediata do psiquiatra de plantão 24 horas, que explica como o mundo é, e do que seus sonhos são feitos.
Mas se você continua angustiado, problema seu.
Você continua angustiado e não sabe porque.
Porquê?
Porque esqueceu o que é vida.
E  a vida está aqui!
Na arte dos pintores que sofreram todo o tipo de escárnio e maldizer. E que agora valem milhões.
 Van Gog durante a sua vida vendeu apenas um quadro para o seu irmão. Ou seja, qual é valor do que você faz? Do que você é para o mundo, as respostas estão aqui, descubra se for capaz.
O que você imagina como um  pintor como Dali, poderia pintar depois de Delacroix?
Ele, Eugene Delacroix  é perfeito em técnica, em imaginação, em temas, superá-lo é quase inumano.
La Liberté Guidant Le Peuple,  está lá, no Louvre, para quem quiser ver, é claro, e para quem puder pagar a entrada, uma obra de imaginação  que todos os livros que ensinam a língua francesa usam na capa.
E ai?
O artista que parte com sua arte menos que isso, parte com nada.
 Não há desculpa possível, nem a psiquiatria, nem as escolas isso ou aquilo, nem os dadaístas, futuristas, nem os surrealistas e todo  o resto, superar o que foi feito, está além, sem concessão, é uma outra estética, fazer o novo, eis a questão!
E assim na literatura como  e em todo o resto da arte.
Paris  é isso, é uma cidade que tem a  maioridade de três mil anos. Cidades que não tem essa história, nem de sofrimento, nem essas  batalhas que essa teve, não podem nem se chamar de cidades, como Lisboa, como Barcelona. É uma ofensa a elas.
São vilas. Povoados.
Lugares que o fogo e a luz ainda não testaram.

E Paris é pagã e ao mesmo tempo profundamente espiritual.
Sabiam que no século Xll o carnaval saia de Notre Dame? Não? Então leiam, meus amigos Os Mistérios das Catedrais  de Fulcanelli. Ele fala não apenas  de Notre Dame, mas de outras catedrais européias.

É claro, que a Rua Gregoire de Tours, em pleno Quartier Latin mudou, mas o prédio de número 17, onde morei, continua lá como esteve durante 200 anos, mudou com mais restaurantes, mas a rua continua igual



A Buci no Quartier Latin



.Aumentaram os imigrantes, domingo na estação de Chatelet é possível ver o quanto isso é verdade.


Estação do metro de Luxembourg

 Talvez seja interessante observar que em vez deles estarem na parte de cima da cidade estão, abaixo, nos subterrâneos. Será que isso indica alguma coisa?
Me perdi em Chatelet, essa droga desse metro! Havia esquecido que é necessário memorizar a direção final que ele vai e não a estação.
 Aprendi nesse período de viagem uma palavra nova e uma ideia comum; a palavra: Islamofobia e a ideia comum: Que a Europa está em crise, ouvi isso em Lisboa, Barcelona e agora em Paris.
Leio nos newspapers de hoje que querem tirar a Grécia da zona do euro. Mais um país em crise. É sabido que essas crises, tem especuladores, bancos, que ganham muito com elas.
Isso do euro, pra mim foi uma das melhores coisas que aconteceram a Europa, apesar é óbvio das resistências nacionais, mas em países tão próximos, com economias quase semelhantes é até uma forma de proteção.
E na questão da islamofobia, também sabe-se que alguém ganha com isso. Mas agora, o antigo colonialismo está pagando, acredito, que bem menos o que deve para suas antigas colônias.
Mas meu assunto não é economia, nem sociologia de almanaque e sim essa cidade, com suas galerias de arte, suas praças onde se pode manger um baguete atolado de presunto e queijo e uma garrafa de  suco, tranquilamente, pois nessa praça, em outro banco, um casal faz o mesmo entornando uma garrafa de vinho pelo bico, dando risadas.
É a vida de Paris a pleno que você encontra pela cidade indo onde os turistas não frequentam como o Le Petit Troca (uma pequena brasserie a coté do metro Trocadero, onde a cerveja é barata e pode-se apostar em todos os tipos de corridas de cavalo).
É um bom local para parar se você estiver morto de cansado de caminhar, com fome e chovendo muito na cidade. Quanto as apostas nos cavalos não recomendo, apesar de ser em tempo real, durante o período que permaneci ali, não vi ninguém comemorando a vitória de um cavalo.
Voltando aos museus, estive no Louvre, numa promoção internacional de La Nuit des Museus ( em galego) ou a Noite dos Museus, quando todos os grandes museus europeus estariam abertos gratuitamente à visitação.
Embaixo da piramide da entrada tive que rir ao lembrar o final idiota do livro de Don Brown, o Código da Vinci, quando o personagem, o investigar genial dele conclui que o Santo Graal ou Sangue Real, está enterrado naquele local, justamente onde sai o elevador que é usado para carregar pessoas com problemas  motores.
 É a cultura do fast food em ação, o cara copiou ( foi inocentado do plágio, porque cargas dágua não sei, aquilo é roubo descarado da livro a Herança Messiânica de dois jornalistas, um inglês e outro francês) a essência da história e misturou com Tom Cruise e Walt Disney (tá no livro, quem leu sabe) e acrescentou ação, e o  resultado=sucesso, com o final, destes, para quem não quer pensar e não conhece o local do elevador,  é ótimo.
Mas voltando ao Louvre gratuito, gente se batendo por todo o canto e um aviso na parede, de outra praga européia: os batedores de carteira. Fui advertido disso em Portugal e Barcelona.
Hilário! E logo na seção do Egito. Mas bah! Os caras não querem concorrência! Cuidado com os ladrões de pequeno porte!
Nós carregamos, arrastamos, metade da arte da Grécia, do Oriente pra cá, mas isso tinha um motivo, uma razão de etre. Tirar arte desses locais nunca foi roubo qualificado, agora roubar carteiras é. Deixem os grandes roubos para nós, mas cuidem-se vocês dos pequenos.
Mas também descobri no Louvre, sem esperar e nem querer ver um pequeno ladrãozinho que saiu de dentro da escalier rolante.
Um camondongo francês, que é igual a qualquer camondongo do mundo, saiu e voltou para seu esconderijo. Deve ser parente do rato cozinheiro do Ratatouille, o filme, pois  reside  próximo ao café do primeiro andar que estava fechado. Creio que o camondongo havia pensando que aquele dia era feriado e quando se deu conta havia uma multidão na volta, retornou correndo ao seu esconderijo. Mas tarde no andar de baixo vi outro  correndo entre as porta de vidro do outro restaurante. Fiquei imaginando que se as câmaras de segurança do museu não são capazes de registrar um batedor de carteiras, aqueles ratos devem estar fora do alcance delas. Talvez eu os esteja julgando mal, não são ratos ladrões, são ratos artistas. Pra mim duas hipóteses são possíveis: como só vi dois ratos numa tarde/noite movimentada do museu: é uma população tolerada controlada e restrita ou há uma população bem vasta desses roedorzinhos visitando à noite as partes mais saborosas das exposições ou ainda quem sabe, eles estão apenas resolvidos a interferir nas receitas do café do museu.
Ufa! Não visite nenhum museu em dia gratuito. Melhor pagar.
Mas Paris só deve temer apenas um tipo de roubo, o dessas imagens, locais que a cidade detém e que os turistas buscam frenéticamente enfeiando a cidade com suas máquinas fotográficas.
Proibir de fotografar tudo, não apenas em alguns museus, pode ser uma solução.
Agora, nesse instante estou na rua Vaugirard num hotel 4 estrelas e da janela vejo em frente, um parte da Ecole que existe desde de 1280 e as alunas trabalhando sei lá em que.
Também da janela posso ver a Tour Eiffel, e lembrar da primeira vez que vim aqui,  tinha apenas um número da Monseiur Le Prince, como referência.
Pra completar o jour, beber um bom vin de lang doc, ou da língua do Oc. Diz-se Languedoc. Mas é Langue Do Oc.
Existe alguém ainda nesse mundo que seja capaz de falar essa língua? Língua do Pays D`Oc.
Esse pays e essa língua estão aqui na França, e faz parte de uma das primitivas línguas da humanidade como a dos bascos na Espanha.
Mas isso é outro assunto.

Por hoje chega!
Domani seguimos para Amesterdan e suas caves  envoltas em fumaça de fumos estranhos. Mas temos parte da Bretanha pra percorrer onde os bardos andaram cantando suas canções.














segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lançamento de dois livros Mia Couto e Agualusa





Lisboa







Chegamos em Lisboa pontualmente as 11horas (hora local, 4 horas  menos no Brasil)  o avião da TAP em voo direto de 10 horas,  voa à noite num céu de brigadeiro, com um vento de cauda ao meio do Atlântico com no máximo 117 km por hora, durante toda a viagem, mas nos faz permanecer acordado a maior parte da noite. Não adianta, nenhum dos filmes exibidos no pequeno ecran disposto na frente da poltrona é capaz de diminuir o tempo da viagem ou aumentar o conforto, os bancos que são curtos, duros, desconfortáveis e possuem  pouca inclinação o que faz com que o passageiro da classe econômica escute até os ruídos do estômago do passageiro da poltrona traseira.
As 11 h15 depois de pegar as bagagens e passar no chekout, enfrentamos a luz de Lisboa, o sol  está abrasador.
Tomamos a decisão de seguir num ônibus. Há duas opções, uma que faz um percurso  turístico pela cidade, mais caro e o ônibus comum. É domingo e tememos que o ônibus comum seja mais demorado e não aceite  o volume de bagagem que carregamos conforme nos informou o atendente do coletivo destinado aos turistas. O que não é verdade, não há restrição de tamanho ou número de bagagens nos coletivos de linha comum. Ambos param a cerca de poucos passos do portão de desembarque, um euro e setenta e cinco cents depois embarcamos com mais de 100 quilos de bagagem no ônibus comum.
No ônibus nota-se os primeiros sotaques do português de diversas etnias é um português cantado não importa de onde, quase musical, diferente do nosso acento, o nosso português da américa em contato com o português da África é uma sinfonia de sons.
Alguns minutos mais tarde passamos pela  87ª Feira do Livro de Lisboa e prometemos  voltar à ela mais tarde. Seguimos por uma avenida arborizada iluminada pelo sol forte da primavera lisboeta.
O condutor do autobus adverte que chegamos a nossa parada, um local na Praça dos Restauradores. Atravessamos a rua atrapalhados com a bagagem  para entrar no hotel Vip Éden.
A reserva é para um  quarto  no oitavo andar. O quarto possui máquina de lavar louça, geladeira, fogão e os armários e interior mostra um antiguidade sem muita dignidade, porém é espaçoso e bem iluminado. Há um leve odor de tabaco ruim no ar, mas pensar em mudar de quarto é impossível.  Melhor um banho rápido para tirar de cima do corpo a noite mal dormida e a dor nas costas das poltronas ruins do tamanco voador. Abro a cortina do apartamento 806 sem esperar muita coisa e deparo com parte da cidade alta e abaixo um lindo prédio antigo bem conservado com um jardim interno mais bonito ainda. Nesse prédio funciona  a polícia para turistas e alguma coisa do ministério da cultura, mais adiante, menos de uma quadra vejo um elétrico amarelo entre duas paredes que faz a ligação  entre a cidade alta e nós.
Depois de um banho e alguns momentos de descanso fomos procurar comida, é domingo em Lisboa e os restaurantes estão bastante movimentados. As opções eram boas no entorno do hotel, do outro lado da rua, embaixo dos guarda-sóis, algumas famílias reunidas.


Verbo Servejar!



 Mas resolvemos escolher a Servejaria ( com S, mesmo) ao lado. Um local novo bem arejado, o local junto à janela de vidro permitia ver os passantes da viela ao lado, gente estranha e gente muito estranha. O cardápio foi o primeiro embate com a língua, pedir explicação ao garçon sobre o prato é fácil, entender o que ele responde que é difícil.
O copão de cerveja estupidamente gelada e o sol do início da tarde torna a comunicação mais fácil. Ele traz um prato com dois croquetes dizendo que é carne de porco (a especialidade da casa é  porco barreado e o nosso croquete deve fazer parte de algum projeto de reciclagem animal). Na frente  do bar há um expositor com alguns peixes imersos em gelo que não inspiram muita confiança. A Ana pede um salmão e  eu uma carne na chapa imersa num molho de queijo. Mas a surpresa surge quando ele traz o pão. Acostumado ao velho pão bromatoso, nosso de cada dia, desesperadamente esticado e aerado para poder se agarrar às cascas vazias, o pão português aparece com uma casca grossa, escura, encorpado que me faz perguntar o garçon que pão é a aquele. Ele  diz:
 - Pão comum.
Eu pergunto:
-Como se faz?
Ele responde:
-Botamos ele no forno e fica pronto!                                                            
-Ah, tá explicado!
Termina a refeição e vamos pra a rua. 

Éden




Tenho outra surpresa, um prédio lindo, art Decó  que ocupa quase metade da quadra da Avenida dos Restauradores, dominando quase toda a praça, o prédio do antigo teatro Éden, eu estava tão cansado que não havia visto, a Ana me diz, estamos hospedados lá.  O Hotel está dentro de um ex-teatro, enorme, com uma faixada curva em linhas minimalistas com uma grande estátua ao centro, como manda as normas da arte Decó. Imagino que os quartos pela antiguidade dos mesmos deveriam servir de local para a estadia de artistas de grandes companhias, pois o prédio do teatro é enorme.



Lisboa
                texto de Ana Laura kosby

Lisboa não deveria se chamar Lisboa, deveria se chamar Lis-ótima. Meu caso com Lisboa não é paixão, é amor à primeira vista. Daquelas coisas sem explicação. Conheci Lisboa por ocasião do lançamento do meu primeiro livro. Claro, que estrear lançando um livro ganho por uma editora em Portugal, ainda mais de poesia já é um plus, mas conhecer Lisboa é algo que todo o brasileiro, se pudesse, deveria fazer. Encontramos aqui muito das nossas raízes e das nossas razões de ser brasileiros. Mas, histórias à parte, gostaria de falar de algumas coisas especiais em Lisboa, do Chiado, do fado e da feira-do-livro e da literatura.



Falar em Lisboa e não falar do Chiado é impossível. Acredito que toda a cidade tem uma egrégora, um espírito, para mim o espírito de Lisboa é o Chiado.

Chiado é um largo em Lisboa e o nome dado à zona circundante, entre o Bairro Alto e a Baixa de Lisboa.

O Chiado, que teve a sua origem num bairro medieval situado no interior das muralhas, é hoje um local romântico e buliçoso, apelidado de coração de Lisboa, infelizmente afetado profundamente pelo incêndio de 25 de agosto de 1988, que destruiu muitos edifícios do século XVIII.

O nome Chiado é muitas vezes usado para designar apenas a Rua Garrett, a principal artéria comercial da zona, que tinha essa designação e que, posteriormente, foi rebatizada com o nome do escritor e poeta Almeida Garrett. A rua, que desce do Largo do Chiado para a Baixa, é bem conhecida pelas suas lojas, cafés e livrarias.



São muitas as hipóteses para a palavra Chiado, usada desde 1567.
Uma das mais interessantes refere-se ao chiar das rodas das carroças que subiam as íngremes vertentes.
Uma segunda refere-se à alcunha ao poeta do século XVI, António Ribeiro, O Chiado.

É das zonas mais chiques e ricas de Lisboa, onde se encontram hoje alguns ateliers de artistas famosos.
Foi um local frequentado por intelectuais modernistas e desde sempre tem estado ligado a uma Lisboa cosmopolita, com uma forte componente intelectual, liberal, modernista e também romântica.

Encontram-se ali várias estátuas de figuras literárias. Eça de Queirós (por muitos considerado o melhor escritor realista português do século XIX), Fernando Pessoa (famoso poeta português do século XIX e XX), que está sentado a uma mesa no exterior do Café A Brasileira.



Encontra-se ainda no mesmo largo, quase que em frente, a estátua de António Ribeiro, O Chiado.


Do outro lado da rua, ergue-se a estátua de Luíz de Camões, no largo com o seu nome.




O Chiado é muito mais do que uma expressão de ser e de estar. É uma área chave da estrutura de Lisboa, da sua imagem e da sua memória. Território eleito pela moda, a gastronomia, a arte, o teatro, a música, a literatura e a política, aqui se fizeram leis para Lisboa e para o resto do país. Um pouco de toda a parte entrou em Portugal pelo Chiado.
A história do Chiado é também, e principalmente, a história dos seus edifícios. Cada rua, cada prédio, por vezes cada andar ou mesmo cada sala, tem a sua história própria. As suas personagens. As suas curiosidades e particularidades. As suas lendas.
A história do Chiado perde-se no tempo.




Segundo Alexandre Herculano (escritor da era do romantismo, historiador, jornalista, e poeta português, do século XIX):

"Para ver o Mundo só há dois píncaros: ou o Himalaia ou o Chiado."

Durante os meses do verão europeu, eu pude ver, o Chiado se transforma em uma Babilônia, cheio de turistas de todo o mundo, que mais se compara ao pelourinho na época do carnaval de Salvador do que qualquer outra coisa. Quando se pode andar como andei hoje, pelas ruas do Chiado em uma manhã luminosa de primavera, pode-se sentir e ver todas as cores do Chiado, com suas tascas e restaurantes com as mesas nas ruas, com a proliferação de artistas, performances, músicos, aguarelas (como dizem os portugueses) num fervilhar vivo que contagia e apaixona. Sou fã do Chiado, por ele traduzir este espírito artístico e livre que Lisboa trás em si, que foi capaz de cativar e abrigar tantos artistas ao longo de toda sua história.
O Chiado é uma face de Lisboa que carrega o Fado.

Para os brasileiros menos conhecedores da música e cultura portuguesa, ao se ouvir falar me fado, logo vem à memória Amalha Rodrigues e alguma música melodiosa com algum tema triste. A primeira vez que vi um espetáculo de fado ao vivo foi em um restaurante de turista em Lisboa, muito bonito, mas, para uma boa e visceral brasileira como eu, não chegou a bater fundo no peito, até que eu conheci um Fado Vadio. Aconselho a todo o viajante que for a Lisboa, que realmente queira conhecer o sentido e o espírito do Fado que vá a um fado Vadio. Fado vadio é o fado fora do circuito “para inglês ver” turístico de Lisboa. É o fado vivido e cantado nos bairros, nas pequenas tascas, onde os maridos cantam para esposas e as músicas são o fundo para inúmeras histórias pessoais, onde a emoção brota do peito e emociona, eu tive a oportunidade de ir a um fado vadio, é o fado que não é cantado por cantores profissionais, é o fado vivo e vivido, onde o teor catártico é tão grande que todas as coisas se resolvem. Fui a um lugar chamado casa Nelo, um pequeno restaurante em uma das travessas da avenida Liberdade, foi quando realmente conheci o fado. Mas cuidado, caso algum dia você vá a algum fado vadio, silêncio, pois depois do intervalo de comidas e acepipes, o anúncio: - O fado vai começar. Silêncio. Pois se houver barulho ou fala, o cantor para e pergunta: - Não gostas de fado? (não aconteceu comigo, mas vi acontecer!).



Há mais ou menos quinze quadras do Chiado, está o parque Eduardo VII, no qual acontece a feira do livro de Lisboa. Um evento e tanto, principalmente para os Portugueses. Portugal é um país de ícones da literatura e poesia. Camões é talvez, e bem merecidamente, um dos maiores poetas que o mundo já viu, revolucionou a poesia. Depois, segue Fernando Pessoa, mais moderno, porém não menos importante. E, os escritores, como o bem mais contemporâneo, Saramago, são figuras que através da literatura foram capazes de lançar o nome de Portugal muito além das fronteiras deste pequeno leão que é Portugal. É através da literatura que ele tem seu mais sonoro rugido. Daí uma feira-do-livro, tão grande e variada, povoada de eventos. A feira se extende por duas ruas que ocupam todo o parque em sua maior extensão que são cerca de 5000 metros no mínimo do comprimento ( percorrer toda a feira é exaustivo!). A feira é promovida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Miguel Freitas da Costa, secretário-geral da APEL, acrescentou que este ano algumas editoras reduziram o número de pavilhões, enquanto outras se apresentam em associação: «este ano contamos com 206 pavilhões, menos 12 que o ano passado, e menos seis participantes.» O que é um reflexo direto da crise econômica da crise financeira européia, que não chega a ter um grande impacto no desempenho da feira, que Segundo o mesmo, acabou com um balanço positivo. Este ano não participamos da feira, porque não somos associados. Mas nos rendeu vários contatos com distribuidores, que estão sempre presentes, o que garantiu que nossa Alef em breve estará nas bancas lusitanas. Com certeza é um evento que não se pode perder em Lisboa. Outro evento que participamos foi o lançamento de um livro de Agualusa, um autor angolano, apresentado pelo poeta e escritor que admiro muito, moçambicano, Mia Couto. Fomos ao lançamento por convite de uma amiga escritora e poeta, Margarida. Ao chegarmos no charmoso lugar à beira do Tejo, o espaço B.Leza, fiquei surpresa com a frequência, em plena segunda-feira. Uma população de pelo menos umas trezentas pessoas lotava o espaço, evento com status de chegada de jogador de futebol em grande time do eixo rio-São Paulo. Com direito a fotos coquetes e tietagem. Perguntei para o Celso, que tem um trânsito maior no meio literário, se aqui no Brasil também é assim, pois já fui a inúmeros lançamentos e não lembro de ter um público tão grande a não ser que seja fomentado pelas super mídia televisiva e muito bem fomentado, diga-se de passagem. Não, ali estavam muitos acadêmicos, escritores, agentes literários, distribuidores, etc… realmente, prestigiar dois autores oriundos das colônias que fazem questão de preservar seu acento é algo que atrai público em plena segunda-feira no atual cenário cultural lisboeta.





"Só os sonhos nos resgatam"



                                                         Agualusa recebe a revista Alef


É a fala de Mia Couto que consigo escutar no lançamento do livro de José Eduardo Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento. Mia Couto ( ele que havia lançando alguns dias atrás seu “A Fala da Leoa”) faz  a apresentação  do livro do Angolano. Quando chegamos no espaço B.Leza, dedicado à cultura junto ao Tejo, a palestra está no meio. Outra surpresa, o local está lotado!
Penso que alguma coisa está mudando na mentalidade dos portugueses, no período que meus pais moraram em Lisboa, entre na década de 80/90, os portugueses viam os descendentes de  portugueses- africanos com preconceitos de toda ordem. E o espaço B. Leza  lotado, é  indicação do sucesso do lançamento,  para mim  (posso estar enganado, nada como uma apreciação rápida para cometer um erro)  uma mudança no comportamento; intelectuais  de todos os matizes estão presentes ao local. O  B.Leza  fica no reformulado cais de Lisboa, através dos vidros, dentro da noite dá para ver a ponte que já teve três nomes: Ponte Salazar, Ponte 25 de abril e finalmente Ponte Sobre o Tejo, acompanhando ela também as mudanças sociais em Portugal.
Tenho com Lisboa uma ligação especial não apenas por seus poetas, intelectuais, o que seria natural, mas pelo fato de meus pais terem residido nela durante tanto tempo sem serem portugueses e terem criado uma escola numa das freguesias da cidade.
Depois de tanto tempo passado, de ambos terem falecido, é que vim a entender a ligação que eles tinham com cidade. Lembro-me que os criticava:
-Como moraram tantos anos, próximo à França e nunca foram à Paris, Londres?
-Não!- retrucava meu pai- não queríamos e nem precisava!
A resposta dele me irritava, muito, no que poderia Lisboa ser superior a Paris?






Comecei a entender andando pelo Rossio, bairro que fica no alto da cidade e que o elétrico amarelo nos deixa em poucos minutos. A beleza e antiguidade da cidade é maravilhosa, as tascas onde se bebe o melhor vinho português, os pratos de peixes diversos. As construções, o comércio, algumas casas que funcionam há mais de 200 anos. Depois uma volta pelo elétrico, fazendo uma ligação entre a cidade velha e o castelo de São Jorge, a estátua de Fernando Pessoa, junto à Praça Camões abençoa o café a Brasileira.
 Lisboa trouxe de forma avassaladora a lembrança boa dos meus pais e todos os antepassados que um dia andaram por essas vielas. E depois, há um perfume nela nesses dias de primavera que dá vontade de se transferir para Lisboa de forma definitiva, esquecendo a selva que vivemos e aprendemos a aceitar.