Fotos Ana Laura Kosby Marco Celso Huffell Viola
Rembrant trouxe a pintura o que os italianos consagraram ao
chamar como o ciaro e oscuro, (o claro e o escuro) termo aplicado a técnica de
sua obra que utiliza à luz e a sombra para destacar os elementos que
compõe o quadro. Essa Amesterdam que também foi à cidade de pintor, talvez
possa ser definida assim também.
São 20 horas é dia claro e temos que encontrar a
locatária do apartamento na Kaisergratia, uma rua localizada no Centrum na
Amesterdam antiga.
É primavera, a cidade tem uma luz incomum e nos
canais grupos passeiam aos gritos, sorrindo e aparentemente felizes em
barcos de todo o tipo. Um pequeno carro elétrico está sendo abastecido numa
torre que fornece energia elétrica.
Ponte da Kaisergratia
E a cidade começa a mostrar os contrastes, o verde das
árvores, a cor da água dos canais, as paredes vermelhas e as cores intensas de
alguns prédios, flores nas janelas, portas e escadas. Qualquer conto de fadas
poderia se acontecer aqui sem prejuízo para a história.
E anoitece, depois de alojados num prédio absolutamente
apertado que deixaria qualquer claustrofóbico em pânico para subir as escadas,
vamos ver a cidade a noite.
Entramos num cofee shop, atrás de conexão wireles e
deparo com aquele pé de canabis sativa da minha altura, plantada num vaso.
Vários produtos que utilizam como ingrediente essa erva de múltiplas utilidades
são oferecidos na prateleira. O cansaço é muito grande e temos que conseguir um
local onde deixar o carro, os estacionamentos públicos são muito caros, e os
carros só podem ficar de graça na rua da ½ noite às 8h da manhã, o que nos
obrigaria de manhã cedo a pular da cama e retirá-lo.
A viagem de Paris foi muito pesada e a única coisa boa a
fazer é dormir.
À noite a cidade muda seu tom, o escuro traz para a rua
as criaturas da noite e Amesterdam se transforma.
As bicicletas continuam
circulando, mas em menor número e a partir da meia-noite tudo começa a fechar,
é realmente estranho que uma cidade com essas características diminua seu
ímpeto quando a madrugada começa.
Não se pode dizer que é uma cidade para crianças, elas
são vistas durante dia sendo levadas pelos pais em bicicletas adaptadas. Mas na
noite não há crianças nas ruas, mas adolescentes estrangeiras aos gritos
experimentando toda a liberdade de
existir que em seu país certamente não conseguiriam.
Um conto de fadas um pouco assustador.
É fácil se perder em Amesterdam de todas as formas, além
do problema da língua, é um desafio e o inglês não é muito praticado por eles.
A noite da cidade tem aquele escuro denso, pesado,
pastoso como não vi em nenhuma outra cidade da Europa.
Alpes, bagagem e
polícia
Cassino de Montreaux, o lago e os Alpes ao fundo
Para chegar à Itália nosso próximo destino nos
levaria a França, Luxemburgo, Bélgica e Suíça, onde atravessaríamos os Alpes.
É necessário falar dessas auto-estadas que atravessam a
Europa. Elas são excelentes, bem cuidadas, o pedágio é barato, você paga pelo
trajeto utilizado o que pode ser considerado justo, já que usa um serviço de
excelente qualidade e não é o roubo institucionalizado dos pedágios
brasileiros, onde paga-se caro por vias de uma única pista e muito mal
conservadas.
O maior problema que encontrei nas auto-estradas são as entrada e saídas próximas as grandes
cidades, ai reside parte do inferno. Não adianta mapa, ou um bom gps, tudo
falha nas entradas e saídas, se você perdeu uma saída, para voltar vai ter que
andar vários quilômetros até encontrar a
saída. E preciso estar atento a sinalização, se você tiver na Holanda, boa
sorte, pois vai precisar dela.
Mas não é só na Holanda não, na Bélgica há uma língua ou
dialeto, não sei bem, o flamich ( a pronúncia é essa do flamenco), onde as
placas das grandes vias estão escritas.Assim, enquanto no mapa a cidade de
Liege aparecia com o nome em francês, nas placas a cidade chamava-se Luike.
É óbvio que o erro nos conduziu a um café em Luike para descobrir que Liege ficava próxima dali por outro caminho.
Depois de passar a Bélgica e seu flamich entramos
na França, outra vez, em direção a Suíça. Na fronteira, a gentil polícia
francesa faz uma barreira.
Uma policial sorridente aproxima-se do carro e pergunta
na janela se trazemos cigarros,respondo que não, drogas, também não. Ela,
acredito, deve utilizar aquela técnica que protege o contraventor de uma cana
mais dura se ele confessar antes o delito. Como não somos contraventores
respondemos como ela nos solicita. Mas também imagino que as pessoas que
exercem esse tipo de trabalho devem gostar de se enfiar no meio da roupa suja
dos outros para saber se elas escondem alguma coisa além de roupa suja. E
imagino também que para eles os contraventores podem ter qualquer aparência independente da origem,forma
e conteúdo que tenham.É preciso ter um talento especial para revirar a lata de
lixo dos outros como um bom cão da lei.
Ela não parece acreditar nas informações que damos e
solicita que desçamos do carro.
E começa um examinar tudo.
Ai encontra uma droga!
Uma garrafa de um vinho francês que compramos enganados e
não tivemos coragem de tomar. A mulher examina tudo dentro do carro, até que
finalmente satisfeita manda seguir viagem.
E Lausane nos espera.
Passamos batido por ela e seguimos rumo a Montreaux.
As duas cidades estão localizadas a margem do Lago
Genebra.
O lago está ao lado direito de quem entra em Lausane com
destino a Montreaux e nas margens do lago, também à direita estão às imensas
montanhas dos Alpes.
Do lado esquerdo as montanhas menos elevadas estão
cobertas por vinhedos plantados ao longo da estrada, fico imaginando os problemas daquele cultivo,
bem como a colheita. Mas os vinhedos parecem estar ali há muito tempo.
Estamos em plenos Alpes e as montanhas são
impressionantes, mas nada tão impressionante como o Lago Genebra e sua água
cristalina. Existem várias cidades em torno e o Lago continua absolutamente
transparente.
Numa disputa entre as cidades mais caras da Europa,
Montreaux, fica certamente em primeiro lugar, alías a Suíça é muito cara, um big
mac com uma coca não fica por menos de 40 reais.
E tem mais, Montreaux não tem estacionamento. No hotel o
sujeito da recepção que fala no mínimo quinze línguas disse que parking deles estava lotado e nos aconselhou
deixar o carro na rua ou num estacionamento do Cassino em frente. Claro que
quem pagaria o estacionamento seríamos nós, no hotel, a diária é para nos
hospedar e não para estacionar o carro.
Montreaux é Suíça e na Suíça tudo é muito limpo,
organizado e neutro. As pessoas parecem exibir uma educação e uma monotonia básica
e silenciosa em relação às coisas. Não há ruído.
Montreaux está cheia de turistas, mas acabamos por
reverenciar a dourada e estável aura da cidade. Muito da atividade local gira
em torno do cassino, o cassino é o grande ponto de referência, o que decepciona.
Parece que único museu importante da cidade é o Museu Olímpico e a única
referência internacional da cidade é o festival de jazz.
As casas antigas de veraneio de ricos europeus do
início do século passado, com castelos de torres finas empoleirados nas
montanhas, castelos de aspecto medieval grudados ao lago enfeitam a cidade. Os
cassino estão em edifícios modernos, sem grandes atrativos, são pequenos perto da luxuosa arquitetura da
cidade. E contrastam com o grande hotel Éden de arquitetura classicista e com o
restaurante instalado em um bangalô que oferece cozinha indiana ao por do sol
do Alpes.
Arlon,praça da cidade Belga de 14 mil habitantes
Em Montreaax
pode-se identificar o dinheiro no ar, por tudo, por todos os cantos, por todos
os carros, nas orelhas e torsos das indianas envoltas em ouro e seda pura,
esperando um BMW ou uma Ferrari buscá-las em alguma esquina. A frota de carros
é algo que chama atenção, apesar das ruas exíguas, aqui não se vê os
populares minis(Smats) que se vê na Europa inteira que povoam as ruas como se
fossem formigas ligeiras em direção a algum piquenique, não, aqui os carros
esportes parecem ser o carro da vez.
Montreaux parece ter uma modorra, uma marcha mais lenta,
como o caminhar de uma mulher lindíssima e inverossímil de magreza supra-humana
envolta em alguma roupa esvoaçante de um grande estilista que só pode ser usada num set de filmagem de comercial de perfume.
Montreaux é o cenário vivo destes comercias de perfume de grife. Não sei se é o
cansaço da viagem ou se é o por do sol e o barulho da água do lago batendo nas
pequenas rochas que dão a impressão de um lugar quase que hipnotizante.
Os Alpes parecem uma boa metáfora para Montroaux, lá,
intocáveis, independente ao clima do mundo, mantendo-se acima do resto, com sua
riqueza e seu clima, quem puder que me alcance, que sobreviva em mim, que se
adapte e me escale, e pague por isso.
Falando em pagar, a Suíça não usa o sistema do euro o que
causa alguns transtornos a quem viaja como a velha questão do câmbio,
onde sempre temos a sensação que estamos perdendo. A moeda é o franco suíço. É
o que sai nos caixas eletrônicos. Será uma desconfiança com relação ao
euro ou apenas mais um luxo de ser quem é?
Nossos amigos portugueses diriam que sim, que o euro é um
blefe e que quem está sendo sempre fortalecido com essa moeda são os alemães
que pagam para os portugueses não produzirem e põe a culpa da derrota de
Sarkozi na França a sua excessiva submissão aos alemães. Impossível não prestar
atenção ao argumento deles Ao cruzar pelo interior de Portugal é possível
ver que a produção agrícola realmente é pequena no país, existem grandes
extensões de terra que aparentemente foi cultivada e agora não é mais,
pecuária, quase nenhuma. Na televisão Cavaco Silva diz que a exportação é a
saída para o desemprego, mas me parece que Portugal tem pouco a exportar. Enquanto
isso a primeira ministra alemã- Angela, alguma coisa, apoia as novas medidas
laborais tomadas na Espanha. Não sei quais são, mas começo a concordar com meus
amigos portugueses, só tenho receio de mais uma fobia, dessa vez a
germanofobia.
Deixando a política e economia internacional de lado
precisamos cuidar da nossa economia e retirar o carro da rua, as sete da manhã
para colocá-lo num estacionamento. O carro ficou a noite inteira
numa esquina com toda a bagagem que amanheceu sem sofrer nenhum dano,
coisa possível em Montreaux e impensável no Brasil.
Outra vez a dificuldade sair de uma grande cidade, nesse
caso Montreaux.Só para exemplificar o problema que é isso, essa dificuldade nos
fez errar o aeroporto Leonardo da Vinci, em Roma e perder um vôo marcado.
Mas voltando a Montreaux. O degelo continua
enchendo o lago Genebra e retirando todo o branco da neve das montanhas. As
saídas são confusas, não adianta GPS, Google mapas, mapas comuns, nada.
Acabamos em uma estrada vicinal em cima de uma montanha cercados por extensas
plantações de uva. Então, é descer e recorrer ao mais antigo sistema de
informações que existe: Perguntar a um passante solitário torcendo que ele seja
da região e conheça a entrada para a auto route.
Mesmo com indicações de left, rigth, a saída é demorada
até chegar à estrada que leva ao topo do Alpes na passagem para a França,
depois Itália.
A primavera fez um belo trabalho na estrada, está tudo
seco, o verde das árvores, a grama das montanhas pontilhadas de branco,
somadas aos pequenos lugarejos encravados em lugares inóspitos, tornam essa
estrada um das mais belas do percurso, pode-se compreender então a quantidade
de viajantes que fazem essa trajetória anualmente apenas para usufruir a beleza
da estrada.
Os lugares enfiados entre as montanhas distantes
dos grandes centros tento imaginar como aquelas pessoas obtém recursos para
sobreviver. Poucas plantações, pouco gado, ovelhas, e um que outro animal
selvagem, mais nada, além do silêncio que se estende por tudo. Nessas regiões o
tempo também se esqueceu de existir, não há onde exercer seu mandato, talvez
apenas no degelo.
Itália e Costa
Amalfitana
Basta cruzar a fronteira para sentir a diferença, não
do clima que é mesmo, mas nas pessoas e suas atitudes. A placidez Suíça dá lugar a uma Itália em ebulição permanente.
Chegamos com o tremor de terra no norte do país, e pouco
tempo antes de sair há outro.
O lugar aonde vamos, a Costa Amalfitana, a Riveira
Italiana, está entre as cidades de Salerno e Nápoles e Nápoles vive a sombra do
Vesúvio. E junto de Nápoles está Pompéia. É uma combinação de lugares que
apesar da beleza, pouco convidativos de se hospedar ocorrendo terremotos.
Mas a Itália é a Itália.
Você sabe que é um
italiano legítimo quando o carro dele está batido ou muito arranhado, amassado
em algum lugar, certamente é a população de maior volume de carros batidos per
capita.
Fazia algum tempo que eu não via uma Romiseta, imaginava
que aquele veículo de três rodas, criada com a participação de um brasileiro
visionário, aquela coisa de três rodas
tivesse sumido do mundo. Mas não, apesar de não serem mais fabricadas há muitos
anos continuam aparecendo para
atrapalhar o tráfego das pequenas estradas italianas que conduzem a
algum lugar.
Origens dos vinhos italianos
E as motonetas e as motos muito potentes, passam voando
se enfiando sem preocupação no trânsito. Os italianos sempre foram e continuam
sendo o povo mais vivo, mais barulhento e visceral da Europa.
E surpreendente a Costa Amalfitana,o mar tem a cor verde
esmeralda, verde azulada e transparente.
Subimos para a cidade de Ravello. A cidade como todas as
outras da região da costa foram criadas no meio das montanhas, entre as
montanhas, dentro das montanhas. E seus primeiros habitantes segundo conta-se
foram os etruscos. Em praticamente todos os prédios que possuem uma pequena
área, incluindo o hotel La Villete onde estamos existem parreirais de uva
bianca titerno, e do limão siciliano.Com
a uva se produz um vinho local um pouco ácido e com o limão, o limoncelo.
Salerno Minor ou Positano
Ravello forma com Positano, com Amalfi, com Salerno Minor
e outras localidades essa costa que é considerada patrimônio Mundial da Unesco.
A região é e foi amada por artistas, escritores,como Graham Greene, Truman
Capote,André Gide, Juan Miró ( a lista é enorme) músicos como Wagner, e
celebridades da hora. Num dos hotéis da cidade, D.H. Lawrence em 1924 começou a
escrever o Amante de Lady Chatterley. Oscar Niemeyer fez em Ravelo o prédio do
auditório de música da cidade, interferindo com sua armação de concreto branco a
paisagem da pequena localidade.
A surpreendente Costa Amalfitana estende-se por todas as
pequenas cidades que ficam nas costa de Nápoles, ou seja, nas costas do Vesúvio
que parece ter poupado sempre essa região com receio de estragar esta beleza
perene.