segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sob o Sol da Toscana em Pisa


Fotos de Ana Laura kosby e Marco Celso Huffell Viola



Ao cruzar a  região da Toscana na Itália  é impossível não associá-la ao romance da norte-americana Frances Mayes- Sob o Sol da Toscana-, poetisa e romancista consagrada, ela em vários livros revela sua profunda paixão por essa região italiana com sua cultura das oliveiras, suas tradições e sua história, além do sol, é lógico, coadjuvante importante  nesse início da primavera.  E se  você segue em direção a Nápoles é provável que passe na estrada ao lado da cidade de Pisa, localizada na Toscana.
É um destino no mínimo curioso, a dúvida de entrar ou não em Pisa significa atraso na chegada em outra cidade do caminho, esta sim destino certo. Mas a curiosidade me acompanha desde que li a primeira vez numa antiga revista Seleções Reader’s Digest  sobre a torre inclinada.
O lugar foi um antigo porto romano, apesar de hoje estar bem distante do litoral. Conta a história  que o próprio São Pedro andou por ali pregando sua boa nova. A cidade não é pequena e neste dia tem uma festa que faz com que o trânsito todo seja alterado e nos obriga a cruzar o Arno duas vezes para conseguir chegar a fortaleza onde está a torre. No caminho vejo a primeira e única citação em toda a Itália contra a Máfia, um enorme cartaz pedindo justiça pelo assassinato de dois juízes.
E lá está ela.



O primeiro problema é estacionar, depois se livrar dos vendedores de óculos e bijouterias, todos africanos que falam uma língua e dialetos completamente desconhecidos. É o primeiro local da Europa que encontramos flanelinhas, porém na idade adulta.
Algumas centenas de pessoas de todas as nacionalidades perambulam por ali, outras deitadas na grama aproveitam o sol e à tarde magnífica que se estende em torno da torre. Outra característica é que a grama é cercada por correntes, o que subentende-se que não se pode transitar, todos absolutamente ignoram tais correntes e deitam-se confortavelmente ao pé da torre inclinada sob o sol da toscana de uma Itália, por si transgressora, não estamos mais na Suiça com certeza!



Alguns painéis explicam porque a torre está assim e os trabalhos feitos para sua recuperação e se você quiser subir, está aberta a visitação até o topo.


 Mas nada disso me atrai para dispensar algum tempo, apenas a contemplação do monumento me parece importante. O mistério de uma construção que através dos séculos vem lutando contra a gravidade parece ser o mais significativo  assim como a  lenda da  loba que alimenta os irmãos Rômulo e Remo, uma outra representação curiosa  junto da torre que nem imagino porque encontra-se ali.
Parti ainda não inteiramente convencido se havia valido a pena entrar na  cidade e não lamentei não ter tirado uma daquelas fotos tradicionais que os turistas fazem  como se estivessem segurando a torre.






quarta-feira, 6 de junho de 2012

Barcelona- por Ana Laura Kosby

Fotos Ana Laur Kosby e Marco Celso Huffell Viola

 Bairro Gótico do lado esquerdo e o Mercado Santa Catarina do lado direito


 Mercado Santa Catarina

Barcelona se fosse gente seria mulher. Uma mulher misteriosa, cheia de segredos, uma feiticeira. Isso, Barcelona seria uma feiticeira, com o poder de transportar no tempo, criar fantasias e atmosferas. Barcelona possui esta magia.
 Chegamos  a Barcelona por volta do meio dia, fora dos roteiros turísticos usuais. Escolhemos um apartamento no Bairro Gótico, com vista para o mercado Santa Catarina e para o casario do Bairro Gótico.



 Fica há mais ou menos 700 metros da catedral e dos sítios arqueológicos do centro de Barcelona, bem como podemos ir a pé à estação do metro Jaume, o que nos deixa perto de quase tudo que é importante, além de estarmos há dez minutos da praça central, onde pode-se pegar ônibus para o aeroporto em um trajeto de meia hora. Porque um apartamento? Porque não um hotel? Porque somos apaixonados por cozinha e não poderíamos desperdiçar a oportunidade de cozinhar em Barcelona, com tudo que a cidade nos proporciona de variedade de ingredientes e frutos do mar. Ao chegar ao aeroporto ligo para nosso contato em Barcelona que irá nos esperar  à porta do Mercado Santa Catarina, ficamos um pouco intrigados porque não no endereço? Mais tarde descobrimos que é para fugir dos taxistas que gostam de andar pelas vielas do Bairro Gótico fazendo tours não autorizados com os desavisados. Caminhamos duas quadras e estamos no apartamento. Três cômodos, dois quartos e uma sala conjugada com uma cozinha, apenas um inconveniente, terceiro piso, que é um quarto piso, sem elevador! O bom que as calorias da nossa aventura culinária em Barcelona serão gastas nas escadas. O apartamento é extremamente iluminado, a entrada é uma das vielas do Bairro Gótico mas a janela do quarto, antigo, como tudo neste bairro, dá vista para o contrastante e moderno mercado Santa Catarina, segundo nosso amigo poeta, Augustin Calvo Galán, o único no mundo com telhado curvo revestido por cerâmica. O mercado Santa Catarina se destaca ao meio do Bairro Gótico, é moderno, a fachada é de linhas retas contrastando com o telhado curvo revestido por placas coloridas de cerâmica, enquanto o bairro Gótico inteiro exibe uma cor amarronzada, ora cinza, ora bege, porém sempre neutra, com seus telhados de telhas escurecidas pelo tempo, volta e meia apresentando imensos grafites que saltam aos olhos pelo colorido vibrante.
 A cozinha é pequena, separada da sala que tem uma mesa redonda de quatro lugares e um sofá frente a uma televisão que permanecerá desligada durante toda a nossa estadia em Barcelona, o mundo lá fora é muito para prendermo-nos a qualquer aparelho. Os quartos são amplos, com camas de casal e um apresenta uma porta janela que dá para uma pequena sacada na qual podemos perdermo-nos olhando a fauna humana que trafega nas vielas do Bairro. Temos aqui, também uma máquina de lavar roupa e, para minha surpresa, um fogão elétrico, que é muito comum aqui na Espanha. A cozinha apresenta uma enorme janela que dá para um prédio com um terraço onde um jardim luxuriante, cheio de pequenas  palmeiras  abana para mim no outro lado da rua. Perfeito!

Depois de conseguirmos colocar novamente o coração no compasso depois da escalada dos quatro pisos, descemos para o mercado Santa Catarina em busca de algo para comer.

Tudo que pode ser de interessante por fora, é com certeza, dez vezes mais por dentro o Mercado Santa Catarina. Bancas das mais variadas, com tudo que se pode imaginar de frutas, temperos e principalmente frutos do mar.  É impressionante a variedade de peixes, moluscos, crustáceos e outras coisas que não saberia dizer nem o nome. Além é claro de uma luxuriante variedade de frutas, legumes, pães, carnes dos mais diversos cortes, aves, como codornas defumadas e imersas em molhos oleosos. O mercado é uma festa para os olhos e para a imaginação. As bancas ficam na área mais central, ao redor, com mesinhas para a parte externa do mercado é preenchida por restaurantes que tem cardápios variados a preços relativamente populares. Existe uma peculiaridade, os preços variam de acordo com o local que é servido. Para comer nas mesinhas na calçada existe um acréscimo de cerca de 3 euros em cada prato. Aqui conhecemos o que chamam de menu do dia, o prato do dia de Barcelona. Porém não é um prato, é um conjunto de pratos servidos em sequência.




Basta sentarmos à mesa que o garçon solícito e sorridente pergunta o que queremos ao mesmo tempo que arruma a mesa e tenta nos explicar como funciona. Nos aponta para um quadro negro com uma lista de pratos escritos à giz, a lista é composta de 3 opções de prato para etapa da refeição. Eu escolho uma salada de entrada, uma porção de Rip grelhado, que não sei o que é e o garçon me explica que é um peixe que é servido em postas e que está muito bom, e um segundo prato, que é arroz negro. Arroz negro é arroz cozinhado com uma substância negra que os polvos produzem como defesa. Aqui chamado tinta de polvo.  O menu é escrito em uma língua semelhante ao espanhol que estamos acostumados na américa, é um misto de espanhol com catalão, os termos se misturam e ao pergunta ao garçon o que não entendemos, ele vai traduzindo os termos que são catalães. Nessa o Celso pediu coelho, que  na verdade era filé de frango, mas, como eles dizem, Vale!
Dois minutos depois de fazermos o pedido é despejada uma cesta com fatias de pão caseiro com uma tigelinha de manteiga e azeitonas negras imersas em azeite e ervas.
Fazendo aqui um adendo,  outra coisa que me apaixonei em Barcelona são os pães. São diversos tipos, com diversos formatos e consistências e são extremamente baratos. Com um euro se compra quase um quilo de pão, daqueles pães de casca grossa crocante que carregam dentro uma textura macia mesclada com diversas nozes e grãos. Tem pão de todo o tipo, redondo, comprido, baquetes, pães trançados, doces, salgados, duros, macios, tudo que se pode imaginar em pão existe aqui, pão com amêndoas, pão com uvas passas, só não achei o nosso gaúcho cacetinho, mas também não ousei perguntar se tinha.
Voltando ao nosso almoço, depois chega uma salada, que é um mix de folhas verdes, tirinhas de cenoura, repolho verde e roxo, com um molho de limão e azeite e algumas azeitonas negras. Depois vem o rip grelhado. São duas postas de peixe grelhadas, emolduradas por batatinhas à dore. O peixe tem uma casquinha dourada e crocante. Rip é um peixe cuja textura é firme, sem ser borrachudo, sem espinhas finas. Muito saboroso e fácil de comer. Eu já me sinto plena! O garçon então, ao trazer mais uma garrafa de vinho branco da casa, extremamente saboroso ( detalhe, neste menu a bebida é incluída, pode-se pedir desde água ao vinho na quantidade  necessária), pede desculpa que o arroz irá demorar um pouco pois ainda está no fogo, porém a vantagem é que sairá recém feito. Dez minutos depois vem ele, quase que dançando por entre as mesas, pedindo desculpas, com dois pratos fundos repletos de uma massa acinzentada até as bordas. O arroz negro com mexilhões! É lustroso, regado a azeite, com azeitonas pretas flutuando em uma massa cinza escuro de arroz com mexilhões. Este prato entrou no hall dos meus pratos inesquecíveis. Junto com o arroz o garçon trás uma jarra de água, para limpar o paladar. O arroz é temperado suavemente o que deixa o sabor de maresia ficar proeminente. Porém a consciência é algo inenarrável, desliza pela boca. O arroz arbóreo está na -consistência certa, nem duro, nem mole demais, sal na quantidade ideal, e os mexilhões levemente elásticos, sem estarem se desmanchando e nem duros demais. É um orgasmo gastronômico, não tem outro termo!






Estou a ponto de explodir, e o garçon pergunta qual dos três  tipos de sobremesa que desejamos. Escolho profiterolis com calda de chocolate. Vem mais ou menos uns cinco bolinhos macios e doces, recheados de um creme de chocolate mais denso com uma calda fina e quente de chocolate por cima. Provo um e tenho vontade de chorar, por ter comido tanto e não ter reservado espaço para a sobremesa. Ainda nos oferece um café e saímos sorrindo, mal podendo andar e simplesmente sem condições de subir 3 pisos de escadas medievais.
Resolvemos andar por Barcelona.


Gaudí



Parte do teto da Casa Pedreira de Gaudí


Falar de Barcelona e não falar de Gaudí é impossível. Barcelona é Gaudí, não só nas casas, mas nas roupas, nos cabelos, no jeito. É essa harmonia do clássico do antigo, do medieval, junto com o inovador e o original, pode-se ver mulheres extremamente elegantes, com cabelos coloridos de cores vivas, em penteados que assemelham-se aos punks, homens de ternos bem cortados com tênis extremamente velhos e mochilas de couro. Mulheres de tailleurs andando de bicicleta e salto alto. Barcelona tem este contraste, o contraste que Gaudí muito bem consegue, Barcelona é como Gaudí, único, um mosaico de cores e formas únicas. Barcelona é como Gaudí, não se pode copiar, não se pode mudar algo é um todo criativo e único, não se reproduz, Gaudí é Gaudí, como Barcelona é Barcelona, incomparável. A galeria de Gaudí são as ruas. Não se pode comprar Gaudí e encerrar em um museu para poucos verem, ele está ali em cores o formas para todos verem, pelo menos, as formas externas dos prédios que se vão insinuando na avenida de la Gracia no centro de Barcelona.

Depois de sairmos do mercado Santa Catarina, ainda com pesar dos profileloris que ficaram para trás, resolvemos dar uma caminhada para facilitar a digestão. Lentamente, sem pressa e sem planos vamos andando pelas ruelas do bairro gótico, duas quadras de onde estamos está a grande catedral gótica na praça central. O lugar é lindo, depois do claustrofóbico bairro gótico com suas vielas, esta praça é um amplo espaço transformado em palco para diversos artistas. Em frente a catedral está o Grand hotel Colon, com seu café e mesinhas com ombrelones enormes e um trânsito imenso de turistas. Nesse espaço Barcelona é uma babilônia, é um festival de idiomas que não se pode imaginar. É interessante sentar e imaginar de onde são as pessoas. Eu adoro sentar em um café e ficar fazendo este exercício de adivinhar as vidas. Com o tempo, pode-se identificar facilmente quem é quem na Babilônia, mesmo porque os de fora, na maioria das vezes tem os olhos grudados as máquinas fotográficas. Isso é algo que me impressiona, parece que as pessoas substituíram os sentidos por aparelhos, a memória é os memory cards das câmeras fotográficas. Existe um estilo próprio dos nativos. É algo que se mostra em algum detalhe, algo diferente, Qualquer um com uma calça cargo e uma mochila pode ser de qualquer local, ainda mais neste oceano de gente, mas, a bandana no cabelo amarrada junto com um coque com cabelos arrepiados em uma ponta e fofos na outra, denunciam que a moça com certeza é nativa, o que depois se verifica ao ela encontrar com outra que está com duas outras crianças com uniforme escolar e saírem conversando alegremente em bom catalão.


Depois da manifestação na Praça a pichação


Saímos andando por Barcelona, atravessamos o bairro gótico até chegar nas Ramblas, a grande avenida que nos leva até a praça central. Na praça central tem uma concentração de jovens auto intitulados, os revoltados, que fazem protesto pela crise espanhola. É um protesto pacífico, onde se vê uma porção de jovens alojados como se fosse um acampamento, pareciam ter saído diretamente dos anos setenta. Os pombos fazem coreografias na quente tarde primaveril de Barcelona a cada passagem de qualquer pessoa. Bem ao centro da praça sentada em uma cadeira, em um lugar de destaque está uma mulher vestida de preto, pintada, com um chapéu na cabeça em um protesto silencioso, as pessoas se aproximam, olham, mas ninguém diz nada. Há um imenso outdoor que ocupa toda a parede de um grande prédio vizinho à praça onde evidencia-se uma multidão e um casal se beijando. Só os rostos do casal original foram substituídos por um recorte com rostos de um casal gay.


Alteração em um cartaz gigantesco, Barcelona 2012

No dia seguinte o cartaz corrigido



Ficamos imaginando quem poderia ter subido lá para fazer isso, pois é muito alto. Após atravessar a praça encontramos a Avenida de la Gracia, uma avenida larga onde carros, ônibus, motos, bicicletas se misturam em uma ordem caoticamente coordenada. Nesta avenida concentram-se os cafés, as lojas de grife, e os imensos prédios que variam do medieval, ao neo-clássico, passando é óbvio por Gaudí, que não ouso tentar classificar! Apenas andar por aqui e observar as vitrines de Chanel, Balenciaga, Gautier, já me faz sentir-me rica. Aqui correm sobre saltos altos elegantes mulheres envoltas em echarpes, com bolsas de metais brilhantes, sentadas aos cafés conversando com outras da mesma espécie, é impressionante a mudança da Rambla e da praça para este ponto perto das casas de grife. A multidão de turistas segue ordeiramente em seu aspecto pleomórfico e concentra-se à frente da casa de Gaudí, eles são diferentes entre eles e diferentes do entorno também.


A Pedreira, Casa de Gaudí 



Uma concentração frente ao grande prédio que é diferente de tudo ao redor. Parece um sorvete derretido, destes de sabores exóticos tipo kiwi e melancia, ao mesmo tempo me lembra os castelos de areia feitos com areia molhada das praias do sul, onde a água escorre da areia e ela se adere formando torres como se fossem formigueiros. Os vitrais coloridos são brilhantes, revestidos de mosaicos cerâmicos de cores vivas. A impressão que dá é que se fixarmos o olhar ela começara a trocar de cor como se fosse um caleidoscópio. Pode-se evidenciar uma certa assimetria nas curvaturas, não é reta, não é perfeitamente curva. Essa imperfeição das linhas curvas e assimetrias das  retas me faz pensar que parece que o próprio Deus com suas mãos enormes desceu aqui para brincar de argila. Parece esculpida à mão por algum gigante enorme e criativo e pintada com giz de cera mágico. É algo impressionante, incomparável com nada que eu havia visto na vida.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Amsterdam, ciaro e oscuro


 Fotos Ana Laura Kosby Marco Celso Huffell Viola


Rembrant trouxe a pintura o que os italianos consagraram ao chamar como o ciaro e oscuro, (o claro e o escuro) termo aplicado a técnica de sua obra que utiliza à luz e a  sombra para destacar os elementos que compõe o quadro. Essa Amesterdam que também foi à cidade de pintor, talvez possa ser definida assim também.
São 20 horas é dia claro e temos que encontrar a locatária do apartamento na Kaisergratia, uma rua localizada no Centrum na Amesterdam antiga.




É  primavera, a cidade tem uma luz incomum e nos canais grupos passeiam aos gritos, sorrindo e aparentemente felizes em barcos de todo o tipo. Um pequeno carro elétrico está sendo abastecido numa torre que fornece energia elétrica.

  Ponte da Kaisergratia

E a cidade começa a mostrar os contrastes, o verde das árvores, a cor da água dos canais, as paredes vermelhas e as cores intensas de alguns prédios, flores nas janelas, portas e escadas. Qualquer conto de fadas poderia se acontecer aqui sem prejuízo para a história.

E anoitece, depois de alojados num prédio absolutamente apertado que deixaria qualquer claustrofóbico em pânico para subir as escadas, vamos ver a cidade a noite.
Entramos num cofee shop, atrás de conexão wireles e deparo com aquele pé de canabis sativa da minha altura, plantada num vaso. Vários produtos que utilizam como ingrediente essa erva de múltiplas utilidades são oferecidos na prateleira. O cansaço é muito grande e temos que conseguir um local onde deixar o carro, os estacionamentos públicos são muito caros, e os carros só podem ficar de graça na rua da ½ noite às 8h da manhã, o que nos obrigaria de manhã cedo a pular da cama e retirá-lo.
A viagem de Paris foi muito pesada e a única coisa boa a fazer é dormir.
À noite a cidade muda seu tom, o escuro traz para a rua as criaturas da noite e Amesterdam se transforma.





 As bicicletas continuam circulando, mas em menor número e a partir da meia-noite tudo começa a fechar, é realmente estranho que uma cidade com essas características diminua seu ímpeto quando a madrugada começa.
Não se pode dizer que é uma cidade para crianças, elas são vistas durante dia sendo levadas pelos pais em bicicletas adaptadas. Mas na noite não há crianças nas ruas, mas adolescentes estrangeiras aos gritos experimentando  toda a liberdade de existir que em seu país certamente não conseguiriam.
Um conto de fadas um pouco assustador.
É fácil se perder em Amesterdam de todas as formas, além do problema da língua, é um desafio e o inglês não é muito praticado por eles.
A noite da cidade tem aquele escuro denso, pesado, pastoso como não vi em nenhuma outra cidade da Europa.


Alpes, bagagem e polícia




Cassino de Montreaux, o lago e os Alpes ao fundo

Para chegar à Itália nosso  próximo destino nos levaria a França, Luxemburgo, Bélgica e Suíça, onde atravessaríamos os Alpes.
É necessário falar dessas auto-estadas que atravessam a Europa. Elas são excelentes, bem cuidadas, o pedágio é barato, você paga pelo trajeto utilizado o que pode ser considerado justo, já que usa um serviço de excelente qualidade e não é o roubo institucionalizado dos pedágios brasileiros, onde paga-se caro por vias de uma única pista e muito mal conservadas.
O maior problema que encontrei nas  auto-estradas  são as entrada e saídas próximas as grandes cidades, ai reside parte do inferno. Não adianta mapa, ou um bom gps, tudo falha nas entradas e saídas, se você perdeu uma saída, para voltar vai ter que andar vários  quilômetros até encontrar a saída. E preciso estar atento a sinalização, se você tiver na Holanda, boa sorte, pois vai precisar dela.
Mas não é só na Holanda não, na Bélgica há uma língua ou dialeto, não sei bem, o flamich ( a pronúncia é essa do flamenco), onde as placas das grandes vias estão escritas.Assim, enquanto no mapa a cidade de Liege aparecia com o nome em francês, nas placas a cidade chamava-se Luike. É óbvio que o erro nos conduziu a um café em Luike para descobrir que Liege ficava próxima dali por  outro caminho.
 Depois de passar a Bélgica e seu flamich entramos na França, outra vez, em direção a Suíça. Na  fronteira, a gentil polícia francesa faz uma barreira.
Uma policial sorridente aproxima-se do carro e pergunta na janela se trazemos cigarros,respondo que não, drogas, também não. Ela, acredito, deve utilizar aquela técnica que protege o contraventor de uma cana mais dura se ele confessar antes o delito. Como não somos contraventores respondemos como ela nos solicita. Mas também imagino que as pessoas que exercem esse tipo de trabalho devem gostar de se enfiar no meio da roupa suja dos outros para saber se elas escondem alguma coisa além de roupa suja. E imagino também que para eles os contraventores podem  ter qualquer aparência independente da origem,forma e conteúdo que tenham.É preciso ter um talento especial para revirar a lata de lixo dos outros como um bom cão da lei.
Ela não parece acreditar nas informações que damos e solicita que desçamos do carro.
E começa um examinar tudo.
Ai encontra uma droga!
Uma garrafa de um vinho francês que compramos enganados e não tivemos coragem de tomar. A mulher examina tudo dentro do carro, até que finalmente satisfeita manda seguir viagem.
E Lausane nos espera.
Passamos batido por ela e seguimos rumo a Montreaux.
As duas cidades estão localizadas a margem do Lago Genebra. 
O lago está ao lado direito de quem entra em Lausane com destino a Montreaux e nas margens do lago, também à direita estão às imensas montanhas dos Alpes.
Do lado esquerdo as montanhas menos elevadas estão cobertas por vinhedos plantados ao longo da estrada,  fico imaginando os problemas daquele cultivo, bem como a colheita. Mas os vinhedos parecem estar ali há muito tempo.
Estamos em plenos Alpes e as montanhas são impressionantes, mas nada tão impressionante como o Lago Genebra e sua água cristalina. Existem várias cidades em torno e o Lago continua absolutamente transparente.
Numa disputa entre as cidades mais caras da Europa, Montreaux, fica certamente em primeiro lugar, alías a Suíça é muito cara, um big mac com uma coca não fica por menos de  40 reais.
E tem mais, Montreaux não tem estacionamento. No hotel o sujeito da recepção que fala no mínimo quinze línguas disse que  parking deles estava lotado e nos aconselhou deixar o carro na rua ou num estacionamento do Cassino em frente. Claro que quem pagaria o estacionamento seríamos nós, no hotel, a diária é para nos hospedar e não para estacionar o carro.
Montreaux é Suíça e na Suíça tudo é muito limpo, organizado e neutro. As pessoas parecem exibir uma educação e uma monotonia básica e silenciosa em relação às coisas. Não há ruído.
Montreaux está cheia de turistas, mas acabamos por reverenciar a dourada e estável aura da cidade. Muito da atividade local gira em torno do cassino, o cassino é o grande ponto de referência, o que decepciona. Parece que único museu importante da cidade é o Museu Olímpico e a única referência internacional da cidade é o festival de jazz.
As  casas antigas de veraneio de ricos europeus do início do século passado, com castelos de torres finas empoleirados nas montanhas, castelos de aspecto medieval grudados ao lago enfeitam a cidade. Os cassino estão em edifícios modernos, sem grandes atrativos,  são pequenos perto da luxuosa arquitetura da cidade. E contrastam com o grande hotel Éden de arquitetura classicista e com o restaurante instalado em um bangalô que oferece cozinha indiana ao por do sol do Alpes.


Arlon,praça da cidade Belga de 14 mil habitantes


 Em Montreaax pode-se identificar o dinheiro no ar, por tudo, por todos os cantos, por todos os carros, nas orelhas e torsos das indianas envoltas em ouro e seda pura, esperando um BMW ou uma Ferrari buscá-las em alguma esquina. A frota de carros é algo que chama atenção, apesar das ruas  exíguas, aqui não se vê os populares minis(Smats) que se vê na Europa inteira que povoam as ruas como se fossem formigas ligeiras em direção a algum piquenique, não, aqui os carros esportes parecem ser o carro da vez.
Montreaux parece ter uma modorra, uma marcha mais lenta, como o caminhar de uma mulher lindíssima e inverossímil de magreza supra-humana envolta em alguma roupa  esvoaçante de um grande estilista que  só pode ser usada  num set de filmagem de comercial de perfume. Montreaux é o cenário vivo destes comercias de perfume de grife. Não sei se é o cansaço da viagem ou se é o por do sol e o barulho da água do lago batendo nas pequenas rochas que dão a impressão de um lugar quase que hipnotizante.
Os Alpes parecem uma boa metáfora para Montroaux, lá, intocáveis, independente ao clima do mundo, mantendo-se acima do resto, com sua riqueza e seu clima, quem puder que me alcance, que sobreviva em mim, que se adapte e me escale, e pague por isso.
Falando em pagar, a Suíça não usa o sistema do euro o que causa alguns transtornos a quem viaja como a velha questão do  câmbio, onde sempre temos a sensação que estamos perdendo. A moeda é o franco suíço. É o que  sai nos caixas eletrônicos. Será uma desconfiança com relação ao euro ou apenas mais um luxo de ser quem é?
Nossos amigos portugueses diriam que sim, que o euro é um blefe e que quem está sendo sempre fortalecido com essa moeda são os alemães que pagam para os portugueses não produzirem e põe a culpa da derrota de Sarkozi na França a sua excessiva submissão aos alemães. Impossível não prestar atenção ao argumento deles Ao cruzar  pelo interior de Portugal é possível ver que a produção agrícola realmente é pequena no país, existem grandes extensões de terra que aparentemente foi cultivada e agora não é mais, pecuária, quase nenhuma. Na televisão Cavaco Silva diz que a exportação é a saída para o desemprego, mas me parece que Portugal tem pouco a exportar. Enquanto isso a primeira ministra alemã- Angela, alguma coisa, apoia as novas medidas laborais tomadas na Espanha. Não sei quais são, mas começo a concordar com meus amigos portugueses, só tenho receio de mais uma fobia, dessa vez a germanofobia.
Deixando a política e economia internacional de lado precisamos cuidar da nossa economia e retirar o carro da rua, as sete da manhã para  colocá-lo num estacionamento. O carro  ficou a noite inteira numa esquina com toda a bagagem  que amanheceu sem sofrer nenhum dano, coisa possível em Montreaux e impensável no Brasil.



Alpes e Itália

Outra vez a dificuldade sair de uma grande cidade, nesse caso Montreaux.Só para exemplificar o problema que é isso, essa dificuldade nos fez errar o aeroporto Leonardo da Vinci, em Roma e perder um vôo marcado.
 Mas voltando a Montreaux. O degelo continua enchendo o lago Genebra e retirando todo o branco da neve das montanhas. As saídas são confusas, não adianta GPS, Google mapas, mapas comuns, nada. Acabamos em uma estrada vicinal em cima de uma montanha cercados por extensas plantações de uva. Então, é descer e recorrer ao mais antigo sistema de  informações que existe: Perguntar a um passante solitário torcendo que ele seja da região e conheça a entrada para a auto route.
Mesmo com indicações de left, rigth, a saída é demorada até chegar à estrada que leva ao topo do Alpes na passagem para a França, depois Itália.
A primavera fez um belo trabalho na estrada, está tudo seco, o verde  das árvores, a grama das montanhas pontilhadas de branco, somadas aos pequenos lugarejos encravados em lugares inóspitos, tornam essa estrada um das mais belas do percurso, pode-se compreender então a quantidade de viajantes que fazem essa trajetória anualmente apenas para usufruir a beleza da estrada.

Os lugares enfiados entre as montanhas  distantes dos grandes centros tento imaginar como aquelas pessoas obtém recursos para sobreviver. Poucas plantações, pouco gado, ovelhas, e um que outro animal selvagem, mais nada, além do silêncio que se estende por tudo. Nessas regiões o tempo também se esqueceu de existir, não há onde exercer seu mandato, talvez apenas no degelo.



Itália e Costa Amalfitana









































Basta cruzar a fronteira para sentir a diferença, não do clima que é mesmo, mas nas pessoas e suas atitudes. A placidez Suíça dá  lugar a uma Itália em ebulição permanente.
Chegamos com o tremor de terra no norte do país, e pouco tempo antes de sair há outro.
O lugar aonde vamos, a Costa Amalfitana, a Riveira Italiana, está entre as cidades de Salerno e Nápoles e Nápoles vive a sombra do Vesúvio. E junto de Nápoles está Pompéia. É uma combinação de lugares que apesar da beleza, pouco convidativos de se hospedar ocorrendo terremotos.
Mas a Itália é a Itália.
 Você sabe que é um italiano legítimo quando o carro dele está batido ou muito arranhado, amassado em algum lugar, certamente é a população de maior volume de carros batidos per capita.
Fazia algum tempo que eu não via uma Romiseta, imaginava que aquele veículo de três rodas, criada com a participação de um brasileiro visionário, aquela  coisa de três rodas tivesse sumido do mundo. Mas não, apesar de não serem mais fabricadas há muitos anos continuam aparecendo para  atrapalhar o tráfego das pequenas estradas italianas que conduzem a algum lugar.

Origens dos vinhos italianos

E as motonetas e as motos muito potentes, passam voando se enfiando sem preocupação no trânsito. Os italianos sempre foram e continuam sendo o povo mais vivo, mais barulhento e visceral da Europa.
E surpreendente a Costa Amalfitana,o mar tem a cor verde esmeralda, verde azulada e transparente.
Subimos para a cidade de Ravello. A cidade como todas as outras da região da costa foram criadas no meio das montanhas, entre as montanhas, dentro das montanhas. E seus primeiros habitantes segundo conta-se foram os etruscos. Em praticamente todos os prédios que possuem uma pequena área, incluindo o hotel La Villete onde estamos existem parreirais de uva bianca titerno, e do  limão siciliano.Com a uva se produz um vinho local um pouco ácido e com o limão, o limoncelo.


Salerno Minor ou Positano

Ravello forma com Positano, com Amalfi, com Salerno Minor e outras localidades essa costa que é considerada patrimônio Mundial da Unesco. A região é e foi amada por artistas, escritores,como Graham Greene, Truman Capote,André Gide, Juan Miró ( a lista é enorme) músicos como Wagner, e celebridades da hora. Num dos hotéis da cidade, D.H. Lawrence em 1924 começou a escrever o Amante de Lady Chatterley. Oscar Niemeyer fez em Ravelo o prédio do auditório de música da cidade, interferindo com sua armação de concreto branco a paisagem da pequena localidade.
A surpreendente Costa Amalfitana estende-se por todas as pequenas cidades que ficam nas costa de Nápoles, ou seja, nas costas do Vesúvio que parece ter poupado sempre essa região com receio de estragar esta beleza perene.

Rio Lates, uma Vila Mágica em Portugal

Fotos Ana Laura Kosby e Marco Celso Viola




O poeta José Ilídio  Torres havia organizado com os poetas que publicaram na Alef  um lançamento da revista em Ponte de Lima, uma Vila, dito por ele como “mágica”. Para chegar a ela o caminho é a auto-estrada A1 Norte partindo de Lisboa que segue pelo interior de Portugal passando por algumas das principais cidades do país como Coimbra, Aveiro, Porto e monumentos históricos e tradicionais como a cidade de Fátima, ou o Castelo de Tomar. Depois de quatro horas de viagem quase na fronteira da Espanha chega-se a  Ponte de Lima.
Imediatamente começa a aparecer a magia da Vila.






Igreja Matriz


Ponte de Lima é a Vila mais antiga de Portugal, tem  mais de 800 anos, a igreja Matriz é de 1400. Surpreende a beleza  e a integridade das construções bem como a paz que emana do pequeno lugar.
É uma sensação estranha que o tempo não parece importar e que o rio Lima que corre perpendicular a Vila  teve sua ponte construída pelos romanos e parece contrariar a  ideia de Heráclito que é impossível banhar-se nas mesmas águas duas vezes.
A razão do que afirmo é baseada numa lenda local.  Os romanos chamavam a esse rio que cruza a aldeia de Rio Lates, (o rio do esquecimento, que nos faz esquecer a cada renascimento quem fomos na vida anterior, Gustavo Doré ilustra na Divina Comédia, Dante atravessando o Lates). Se dermos a razão da lenda criada nesta cidade pelos romanos é possível, sim, banhar-se nas mesmas águas do Lates diversas vezes, desde que consideramos serem possíveis os renascimentos.









E conta a lenda local, representada nas margens do Rio Lima, que um batalhão de soldados está paralisado pelo medo que se recusam a atravessar o rio com receio de perder a memória. O comandante  é  único a atravessar o rio e ao chegar no outro lado prova  a eles que não a perdeu chamando, um a  um, pelo nome.
E a memória não perdida dessa cidade está colocada em cada parede, viela, janela, porta, no rosto dos moradores e nos pequenos negócios. Foi nela que os monges de Francisco de Assis criaram seu primeiro mosteiro em Portugal e, é passagem do caminho para os peregrinos de Santiago de Compostela.
Aos poucos a magia da pequena Vila vai nos separando da velocidade, da imprecisão, das incoerências  aparentes do mundo e nos põe em suas águas e nos mostra uma vida de solidez e paz que já foi reconhecida pelos reis de Portugal, os monges de Francisco e os peregrinos que nela transitam.
E noite chega e encontramos os poetas José Ilídio  Torres, Maria Alexandra Cruz Mendes, Antonio Paiva e Flávio Lopes da Silva. Nenhum deles reside na Vila e  vieram de diversos lugares de Portugal para nos encontrar e participar do sarau e lançamento da revista Alef organizado por Jose Ilídio no bar, o Arte e Baco.



Arte e Baco em Ponte de Lima


Mas antes disso eles nos convidam para jantar  no restaurante Vaca das Cordas ( título de uma tradição que remonta aos celtas, primeiros habitantes da região. É uma festa, e entre as atrações está um touro ( no início era uma vaca amarrada, mas ela não assustava ninguém trocaram por um touro) persegue a multidão.
O Vaca das Cordas  fica em uma das vielas. As mesas estão na calçada, a primavera portuguesa nos premia com um fim de tarde pleno com o sol refletindo no rio.  A penumbra da noite aumenta e os poetas começam a falar das  tradições do local, de seu amor por Portugal, de sua admiração pelo  Brasil, de suas preocupações com  o futuro da Europa, quando chega a mesa um prato especial do restaurante, um indescritível bacalhau, acompanhado do vinho verde da região ( verde que também pode ser tinto, é verde no tempo de maturação,explicam).



 Maria Alexandra Cruz Mendes, lê seus poemas publicados na Alef


E noite continua perfeita quando seguimos para sarau. Enfrentamos o bar Baco e Arte lotado, uma platéia atenta e o sotaque  diferente começa a ecoar pelas paredes antigas do Baco com poemas ditos na voz de  José Ilídio  Torres, Maria Alexandra Cruz Mendes, Antonio Paiva e Flavio Lopes da Silva e Ana Laura. Alguém puxa também poemas de Pessoa e de outros poetas portugueses que não conhecemos, mas prometemos  descobrir.
Quando o cansaço nos derruba vamos para o melhor quarto de hotel que encontramos em toda a nossa viagem: No primeiro andar da Mercearia da Vila, quase na frente do Mosteiro dos Franciscanos. Um lugar de sonhos abençoados.