Lisboa
Chegamos em Lisboa pontualmente
as 11horas (hora local, 4 horas menos no
Brasil) o avião da TAP em voo direto de
10 horas, voa à noite num céu de
brigadeiro, com um vento de cauda ao meio do Atlântico com no máximo 117 km por
hora, durante toda a viagem, mas nos faz permanecer acordado a maior parte da
noite. Não adianta, nenhum dos filmes exibidos no pequeno ecran disposto na
frente da poltrona é capaz de diminuir o tempo da viagem ou aumentar o conforto,
os bancos que são curtos, duros, desconfortáveis e possuem pouca inclinação o que faz com que o
passageiro da classe econômica escute até os ruídos do estômago do passageiro
da poltrona traseira.
As 11 h15 depois de pegar as bagagens e passar no chekout, enfrentamos
a luz de Lisboa, o sol está abrasador.
Tomamos a decisão de seguir num
ônibus. Há duas opções, uma que faz um percurso
turístico pela cidade, mais caro e o ônibus comum. É domingo e tememos
que o ônibus comum seja mais demorado e não aceite o volume de bagagem que carregamos conforme
nos informou o atendente do coletivo destinado aos turistas. O que não é
verdade, não há restrição de tamanho ou número de bagagens nos coletivos de
linha comum. Ambos param a cerca de poucos passos do portão de desembarque, um
euro e setenta e cinco cents depois embarcamos com mais de 100 quilos de
bagagem no ônibus comum.
No ônibus nota-se os primeiros sotaques do português de diversas
etnias é um português cantado não importa de onde, quase musical, diferente do
nosso acento, o nosso português da américa em contato com o português da África
é uma sinfonia de sons.
Alguns minutos mais tarde
passamos pela 87ª Feira do Livro de
Lisboa e prometemos voltar à ela mais
tarde. Seguimos por uma avenida arborizada iluminada pelo sol forte da
primavera lisboeta.
O condutor do autobus adverte que
chegamos a nossa parada, um local na Praça dos Restauradores. Atravessamos a
rua atrapalhados com a bagagem para
entrar no hotel Vip Éden.
A reserva é para um quarto
no oitavo andar. O quarto possui máquina de lavar louça, geladeira,
fogão e os armários e interior mostra um antiguidade sem muita dignidade, porém
é espaçoso e bem iluminado. Há um leve odor de tabaco ruim no ar, mas pensar em
mudar de quarto é impossível. Melhor um
banho rápido para tirar de cima do corpo a noite mal dormida e a dor nas costas
das poltronas ruins do tamanco voador. Abro a cortina do apartamento 806 sem
esperar muita coisa e deparo com parte da cidade alta e abaixo um lindo prédio
antigo bem conservado com um jardim interno mais bonito ainda. Nesse prédio funciona a polícia para turistas e alguma coisa do
ministério da cultura, mais adiante, menos de uma quadra vejo um elétrico
amarelo entre duas paredes que faz a ligação
entre a cidade alta e nós.
Depois de um banho e alguns momentos de descanso fomos
procurar comida, é domingo em Lisboa e os restaurantes estão bastante
movimentados. As opções eram boas no entorno do hotel, do outro lado da rua,
embaixo dos guarda-sóis, algumas famílias reunidas.
Verbo Servejar!
Mas resolvemos escolher a
Servejaria ( com S, mesmo) ao lado. Um local novo bem arejado, o local junto à
janela de vidro permitia ver os passantes da viela ao lado, gente estranha e
gente muito estranha. O cardápio foi o primeiro embate com a língua, pedir
explicação ao garçon sobre o prato é fácil, entender o que ele responde que é
difícil.
O copão de cerveja estupidamente gelada e o sol do início da
tarde torna a comunicação mais fácil. Ele traz um prato com dois croquetes dizendo
que é carne de porco (a especialidade da casa é porco barreado e o nosso croquete deve fazer
parte de algum projeto de reciclagem animal). Na frente do bar há um expositor com alguns peixes
imersos em gelo que não inspiram muita confiança. A Ana pede um salmão e eu uma carne na chapa imersa num molho de
queijo. Mas a surpresa surge quando ele traz o pão. Acostumado ao velho pão
bromatoso, nosso de cada dia, desesperadamente esticado e aerado para poder se
agarrar às cascas vazias, o pão português aparece com uma casca grossa, escura,
encorpado que me faz perguntar o garçon que pão é a aquele. Ele diz:
- Pão comum.
Eu pergunto:
-Como se faz?
Ele responde:
-Botamos ele no forno e fica
pronto!
-Ah, tá explicado!
Termina a refeição e vamos pra a rua.
Éden
Tenho outra surpresa, um
prédio lindo, art Decó que ocupa quase
metade da quadra da Avenida dos Restauradores, dominando quase toda a praça, o
prédio do antigo teatro Éden, eu estava tão cansado que não havia visto, a Ana
me diz, estamos hospedados lá. O Hotel
está dentro de um ex-teatro, enorme, com uma faixada curva em linhas
minimalistas com uma grande estátua ao centro, como manda as normas da arte
Decó. Imagino que os quartos pela antiguidade dos mesmos deveriam servir de
local para a estadia de artistas de grandes companhias, pois o prédio do teatro
é enorme.
Lisboa
texto de Ana Laura kosby
Lisboa não deveria se chamar Lisboa, deveria se chamar
Lis-ótima. Meu caso com Lisboa não é paixão, é amor à primeira vista. Daquelas
coisas sem explicação. Conheci Lisboa por ocasião do lançamento do meu primeiro
livro. Claro, que estrear lançando um livro ganho por uma editora em Portugal,
ainda mais de poesia já é um plus, mas conhecer Lisboa é algo que todo o
brasileiro, se pudesse, deveria fazer. Encontramos aqui muito das nossas raízes
e das nossas razões de ser brasileiros. Mas, histórias à parte, gostaria de
falar de algumas coisas especiais em Lisboa, do Chiado, do fado e da
feira-do-livro e da literatura.
Falar em Lisboa e não falar do Chiado é impossível.
Acredito que toda a cidade tem uma egrégora, um espírito, para mim o espírito
de Lisboa é o Chiado.
Chiado
é um largo em Lisboa e o nome dado à zona circundante, entre o Bairro Alto e a
Baixa de Lisboa.
O
Chiado, que teve a sua origem num bairro medieval situado no interior das
muralhas, é hoje um local romântico e buliçoso, apelidado de coração de Lisboa,
infelizmente afetado profundamente pelo incêndio de 25 de agosto de 1988, que
destruiu muitos edifícios do século XVIII.
O
nome Chiado é muitas vezes usado para designar apenas a Rua Garrett, a
principal artéria comercial da zona, que tinha essa designação e que,
posteriormente, foi rebatizada com o nome do escritor e poeta Almeida Garrett.
A rua, que desce do Largo do Chiado para a Baixa, é bem conhecida pelas suas
lojas, cafés e livrarias.
São
muitas as hipóteses para a palavra Chiado, usada desde 1567.
Uma
das mais interessantes refere-se ao chiar das rodas das carroças que subiam as
íngremes vertentes.
Uma
segunda refere-se à alcunha ao poeta do século XVI, António Ribeiro, O Chiado.
É das
zonas mais chiques e ricas de Lisboa, onde se encontram hoje alguns ateliers de
artistas famosos.
Foi
um local frequentado por intelectuais modernistas e desde sempre tem estado
ligado a uma Lisboa cosmopolita, com uma forte componente intelectual, liberal,
modernista e também romântica.
Encontram-se
ali várias estátuas de figuras literárias. Eça de Queirós (por muitos
considerado o melhor escritor realista português do século XIX), Fernando
Pessoa (famoso poeta português do século XIX e XX), que está sentado a uma mesa
no exterior do Café A Brasileira.
Encontra-se ainda no mesmo largo, quase que em frente, a
estátua de António Ribeiro, O Chiado.
Do outro lado da rua, ergue-se a estátua de Luíz de
Camões, no largo com o seu nome.
O
Chiado é muito mais do que uma expressão de ser e de estar. É uma área chave da
estrutura de Lisboa, da sua imagem e da sua memória. Território eleito pela
moda, a gastronomia, a arte, o teatro, a música, a literatura e a política,
aqui se fizeram leis para Lisboa e para o resto do país. Um pouco de toda a
parte entrou em Portugal pelo Chiado.
A
história do Chiado é também, e principalmente, a história dos seus edifícios.
Cada rua, cada prédio, por vezes cada andar ou mesmo cada sala, tem a sua
história própria. As suas personagens. As suas curiosidades e particularidades.
As suas lendas.
A
história do Chiado perde-se no tempo.
Segundo
Alexandre Herculano (escritor da era do romantismo, historiador, jornalista, e
poeta português, do século XIX):
"Para
ver o Mundo só há dois píncaros: ou o Himalaia ou o Chiado."
Durante
os meses do verão europeu, eu pude ver, o Chiado se transforma em uma
Babilônia, cheio de turistas de todo o mundo, que mais se compara ao pelourinho
na época do carnaval de Salvador do que qualquer outra coisa. Quando se pode
andar como andei hoje, pelas ruas do Chiado em uma manhã luminosa de primavera,
pode-se sentir e ver todas as cores do Chiado, com suas tascas e restaurantes
com as mesas nas ruas, com a proliferação de artistas, performances, músicos,
aguarelas (como dizem os portugueses) num fervilhar vivo que contagia e
apaixona. Sou fã do Chiado, por ele traduzir este espírito artístico e livre
que Lisboa trás em si, que foi capaz de cativar e abrigar tantos artistas ao
longo de toda sua história.
O
Chiado é uma face de Lisboa que carrega o Fado.
Para
os brasileiros menos conhecedores da música e cultura portuguesa, ao se ouvir
falar me fado, logo vem à memória Amalha Rodrigues e alguma música melodiosa
com algum tema triste. A primeira vez que vi um espetáculo de fado ao vivo foi
em um restaurante de turista em Lisboa, muito bonito, mas, para uma boa e
visceral brasileira como eu, não chegou a bater fundo no peito, até que eu
conheci um Fado Vadio. Aconselho a todo o viajante que for a Lisboa, que
realmente queira conhecer o sentido e o espírito do Fado que vá a um fado
Vadio. Fado vadio é o fado fora do circuito “para inglês ver” turístico de
Lisboa. É o fado vivido e cantado nos bairros, nas pequenas tascas, onde os
maridos cantam para esposas e as músicas são o fundo para inúmeras histórias
pessoais, onde a emoção brota do peito e emociona, eu tive a oportunidade de ir
a um fado vadio, é o fado que não é cantado por cantores profissionais, é o
fado vivo e vivido, onde o teor catártico é tão grande que todas as coisas se
resolvem. Fui a um lugar chamado casa Nelo, um pequeno restaurante em uma das
travessas da avenida Liberdade, foi quando realmente conheci o fado. Mas
cuidado, caso algum dia você vá a algum fado vadio, silêncio, pois depois do
intervalo de comidas e acepipes, o anúncio: - O fado vai começar. Silêncio.
Pois se houver barulho ou fala, o cantor para e pergunta: - Não gostas de fado?
(não aconteceu comigo, mas vi acontecer!).
Há
mais ou menos quinze quadras do Chiado, está o parque Eduardo VII, no qual
acontece a feira do livro de Lisboa. Um evento e tanto, principalmente para os
Portugueses. Portugal é um país de ícones da literatura e poesia. Camões é
talvez, e bem merecidamente, um dos maiores poetas que o mundo já viu,
revolucionou a poesia. Depois, segue Fernando Pessoa, mais moderno, porém não
menos importante. E, os escritores, como o bem mais contemporâneo, Saramago,
são figuras que através da literatura foram capazes de lançar o nome de
Portugal muito além das fronteiras deste pequeno leão que é Portugal. É através
da literatura que ele tem seu mais sonoro rugido. Daí uma feira-do-livro, tão
grande e variada, povoada de eventos. A feira se extende por duas ruas que
ocupam todo o parque em sua maior extensão que são cerca de 5000 metros no
mínimo do comprimento ( percorrer toda a feira é exaustivo!). A feira é promovida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Miguel Freitas da Costa, secretário-geral da APEL, acrescentou que este ano algumas editoras reduziram o número de pavilhões, enquanto outras se apresentam em associação: «este ano contamos com 206 pavilhões, menos 12 que o ano passado, e menos seis participantes.» O que é um reflexo direto da crise econômica da crise financeira européia, que não chega a ter um grande impacto no desempenho da feira, que Segundo o mesmo, acabou com um balanço positivo. Este ano não participamos da feira, porque não somos associados. Mas nos rendeu vários contatos com distribuidores, que estão sempre presentes, o que garantiu que nossa Alef em breve estará nas bancas lusitanas. Com certeza é um evento que não se pode perder em Lisboa. Outro evento que participamos foi o lançamento de um livro de Agualusa, um autor angolano, apresentado pelo poeta e escritor que admiro muito, moçambicano, Mia Couto. Fomos ao lançamento por convite de uma amiga escritora e poeta, Margarida. Ao chegarmos no charmoso lugar à beira do Tejo, o espaço B.Leza, fiquei surpresa com a frequência, em plena segunda-feira. Uma população de pelo menos umas trezentas pessoas lotava o espaço, evento com status de chegada de jogador de futebol em grande time do eixo rio-São Paulo. Com direito a fotos coquetes e tietagem. Perguntei para o Celso, que tem um trânsito maior no meio literário, se aqui no Brasil também é assim, pois já fui a inúmeros lançamentos e não lembro de ter um público tão grande a não ser que seja fomentado pelas super mídia televisiva e muito bem fomentado, diga-se de passagem. Não, ali estavam muitos acadêmicos, escritores, agentes literários, distribuidores, etc… realmente, prestigiar dois autores oriundos das colônias que fazem questão de preservar seu acento é algo que atrai público em plena segunda-feira no atual cenário cultural lisboeta.
"Só os sonhos nos resgatam"
Agualusa recebe a revista Alef
É a fala de Mia Couto que consigo escutar no lançamento do livro de José Eduardo Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento. Mia Couto ( ele que havia lançando alguns dias atrás seu “A Fala da Leoa”) faz a apresentação do livro do Angolano. Quando chegamos no espaço B.Leza, dedicado à cultura junto ao Tejo, a palestra está no meio. Outra surpresa, o local está lotado!
Penso que alguma coisa está mudando na mentalidade dos
portugueses, no período que meus pais moraram em Lisboa, entre na década de 80/90,
os portugueses viam os descendentes de
portugueses- africanos com preconceitos de toda ordem. E o espaço B.
Leza lotado, é indicação do sucesso do lançamento, para
mim (posso estar enganado, nada como uma
apreciação rápida para cometer um erro) uma
mudança no comportamento; intelectuais
de todos os matizes estão presentes ao local. O B.Leza fica no reformulado cais de Lisboa, através
dos vidros, dentro da noite dá para ver a ponte que já teve três nomes: Ponte
Salazar, Ponte 25 de abril e finalmente Ponte Sobre o Tejo, acompanhando ela
também as mudanças sociais em Portugal.
Tenho com Lisboa uma ligação especial não apenas por seus
poetas, intelectuais, o que seria natural, mas pelo fato de meus pais terem
residido nela durante tanto tempo sem serem portugueses e terem criado uma
escola numa das freguesias da cidade.
Depois de tanto tempo passado, de ambos terem falecido, é
que vim a entender a ligação que eles tinham com cidade. Lembro-me que os
criticava:
-Como moraram tantos anos, próximo à França e nunca foram à
Paris, Londres?
-Não!- retrucava meu pai- não queríamos e nem precisava!
A resposta dele me irritava, muito, no que poderia Lisboa
ser superior a Paris?
Comecei a entender andando pelo Rossio, bairro que fica no
alto da cidade e que o elétrico amarelo nos deixa em poucos minutos. A beleza e
antiguidade da cidade é maravilhosa, as tascas onde se bebe o melhor vinho
português, os pratos de peixes diversos. As construções, o comércio, algumas
casas que funcionam há mais de 200 anos. Depois uma volta pelo elétrico,
fazendo uma ligação entre a cidade velha e o castelo de São Jorge, a estátua de
Fernando Pessoa, junto à Praça Camões abençoa o café a Brasileira.
Lisboa trouxe de
forma avassaladora a lembrança boa dos meus pais e todos os antepassados que um
dia andaram por essas vielas. E depois, há um perfume nela nesses dias de
primavera que dá vontade de se transferir para Lisboa de forma definitiva,
esquecendo a selva que vivemos e aprendemos a aceitar.
adorei "viajar sem mapa", vou linkar no meu blog...
ResponderExcluirespero a próxima parada... quem sabe Trás-os-montes e seus telhados de pedra que até hoje trago na lembrança...
lindas fotos!
grande abraço ao casal...
Viola, amei! Que inveja...
ResponderExcluirSe der, conta mais sobre a Feira do Livro de Lisboa.
Vou seguir com vocês na viagem.
Abração,
Cristina Macedo.