quarta-feira, 6 de junho de 2012

Barcelona- por Ana Laura Kosby

Fotos Ana Laur Kosby e Marco Celso Huffell Viola

 Bairro Gótico do lado esquerdo e o Mercado Santa Catarina do lado direito


 Mercado Santa Catarina

Barcelona se fosse gente seria mulher. Uma mulher misteriosa, cheia de segredos, uma feiticeira. Isso, Barcelona seria uma feiticeira, com o poder de transportar no tempo, criar fantasias e atmosferas. Barcelona possui esta magia.
 Chegamos  a Barcelona por volta do meio dia, fora dos roteiros turísticos usuais. Escolhemos um apartamento no Bairro Gótico, com vista para o mercado Santa Catarina e para o casario do Bairro Gótico.



 Fica há mais ou menos 700 metros da catedral e dos sítios arqueológicos do centro de Barcelona, bem como podemos ir a pé à estação do metro Jaume, o que nos deixa perto de quase tudo que é importante, além de estarmos há dez minutos da praça central, onde pode-se pegar ônibus para o aeroporto em um trajeto de meia hora. Porque um apartamento? Porque não um hotel? Porque somos apaixonados por cozinha e não poderíamos desperdiçar a oportunidade de cozinhar em Barcelona, com tudo que a cidade nos proporciona de variedade de ingredientes e frutos do mar. Ao chegar ao aeroporto ligo para nosso contato em Barcelona que irá nos esperar  à porta do Mercado Santa Catarina, ficamos um pouco intrigados porque não no endereço? Mais tarde descobrimos que é para fugir dos taxistas que gostam de andar pelas vielas do Bairro Gótico fazendo tours não autorizados com os desavisados. Caminhamos duas quadras e estamos no apartamento. Três cômodos, dois quartos e uma sala conjugada com uma cozinha, apenas um inconveniente, terceiro piso, que é um quarto piso, sem elevador! O bom que as calorias da nossa aventura culinária em Barcelona serão gastas nas escadas. O apartamento é extremamente iluminado, a entrada é uma das vielas do Bairro Gótico mas a janela do quarto, antigo, como tudo neste bairro, dá vista para o contrastante e moderno mercado Santa Catarina, segundo nosso amigo poeta, Augustin Calvo Galán, o único no mundo com telhado curvo revestido por cerâmica. O mercado Santa Catarina se destaca ao meio do Bairro Gótico, é moderno, a fachada é de linhas retas contrastando com o telhado curvo revestido por placas coloridas de cerâmica, enquanto o bairro Gótico inteiro exibe uma cor amarronzada, ora cinza, ora bege, porém sempre neutra, com seus telhados de telhas escurecidas pelo tempo, volta e meia apresentando imensos grafites que saltam aos olhos pelo colorido vibrante.
 A cozinha é pequena, separada da sala que tem uma mesa redonda de quatro lugares e um sofá frente a uma televisão que permanecerá desligada durante toda a nossa estadia em Barcelona, o mundo lá fora é muito para prendermo-nos a qualquer aparelho. Os quartos são amplos, com camas de casal e um apresenta uma porta janela que dá para uma pequena sacada na qual podemos perdermo-nos olhando a fauna humana que trafega nas vielas do Bairro. Temos aqui, também uma máquina de lavar roupa e, para minha surpresa, um fogão elétrico, que é muito comum aqui na Espanha. A cozinha apresenta uma enorme janela que dá para um prédio com um terraço onde um jardim luxuriante, cheio de pequenas  palmeiras  abana para mim no outro lado da rua. Perfeito!

Depois de conseguirmos colocar novamente o coração no compasso depois da escalada dos quatro pisos, descemos para o mercado Santa Catarina em busca de algo para comer.

Tudo que pode ser de interessante por fora, é com certeza, dez vezes mais por dentro o Mercado Santa Catarina. Bancas das mais variadas, com tudo que se pode imaginar de frutas, temperos e principalmente frutos do mar.  É impressionante a variedade de peixes, moluscos, crustáceos e outras coisas que não saberia dizer nem o nome. Além é claro de uma luxuriante variedade de frutas, legumes, pães, carnes dos mais diversos cortes, aves, como codornas defumadas e imersas em molhos oleosos. O mercado é uma festa para os olhos e para a imaginação. As bancas ficam na área mais central, ao redor, com mesinhas para a parte externa do mercado é preenchida por restaurantes que tem cardápios variados a preços relativamente populares. Existe uma peculiaridade, os preços variam de acordo com o local que é servido. Para comer nas mesinhas na calçada existe um acréscimo de cerca de 3 euros em cada prato. Aqui conhecemos o que chamam de menu do dia, o prato do dia de Barcelona. Porém não é um prato, é um conjunto de pratos servidos em sequência.




Basta sentarmos à mesa que o garçon solícito e sorridente pergunta o que queremos ao mesmo tempo que arruma a mesa e tenta nos explicar como funciona. Nos aponta para um quadro negro com uma lista de pratos escritos à giz, a lista é composta de 3 opções de prato para etapa da refeição. Eu escolho uma salada de entrada, uma porção de Rip grelhado, que não sei o que é e o garçon me explica que é um peixe que é servido em postas e que está muito bom, e um segundo prato, que é arroz negro. Arroz negro é arroz cozinhado com uma substância negra que os polvos produzem como defesa. Aqui chamado tinta de polvo.  O menu é escrito em uma língua semelhante ao espanhol que estamos acostumados na américa, é um misto de espanhol com catalão, os termos se misturam e ao pergunta ao garçon o que não entendemos, ele vai traduzindo os termos que são catalães. Nessa o Celso pediu coelho, que  na verdade era filé de frango, mas, como eles dizem, Vale!
Dois minutos depois de fazermos o pedido é despejada uma cesta com fatias de pão caseiro com uma tigelinha de manteiga e azeitonas negras imersas em azeite e ervas.
Fazendo aqui um adendo,  outra coisa que me apaixonei em Barcelona são os pães. São diversos tipos, com diversos formatos e consistências e são extremamente baratos. Com um euro se compra quase um quilo de pão, daqueles pães de casca grossa crocante que carregam dentro uma textura macia mesclada com diversas nozes e grãos. Tem pão de todo o tipo, redondo, comprido, baquetes, pães trançados, doces, salgados, duros, macios, tudo que se pode imaginar em pão existe aqui, pão com amêndoas, pão com uvas passas, só não achei o nosso gaúcho cacetinho, mas também não ousei perguntar se tinha.
Voltando ao nosso almoço, depois chega uma salada, que é um mix de folhas verdes, tirinhas de cenoura, repolho verde e roxo, com um molho de limão e azeite e algumas azeitonas negras. Depois vem o rip grelhado. São duas postas de peixe grelhadas, emolduradas por batatinhas à dore. O peixe tem uma casquinha dourada e crocante. Rip é um peixe cuja textura é firme, sem ser borrachudo, sem espinhas finas. Muito saboroso e fácil de comer. Eu já me sinto plena! O garçon então, ao trazer mais uma garrafa de vinho branco da casa, extremamente saboroso ( detalhe, neste menu a bebida é incluída, pode-se pedir desde água ao vinho na quantidade  necessária), pede desculpa que o arroz irá demorar um pouco pois ainda está no fogo, porém a vantagem é que sairá recém feito. Dez minutos depois vem ele, quase que dançando por entre as mesas, pedindo desculpas, com dois pratos fundos repletos de uma massa acinzentada até as bordas. O arroz negro com mexilhões! É lustroso, regado a azeite, com azeitonas pretas flutuando em uma massa cinza escuro de arroz com mexilhões. Este prato entrou no hall dos meus pratos inesquecíveis. Junto com o arroz o garçon trás uma jarra de água, para limpar o paladar. O arroz é temperado suavemente o que deixa o sabor de maresia ficar proeminente. Porém a consciência é algo inenarrável, desliza pela boca. O arroz arbóreo está na -consistência certa, nem duro, nem mole demais, sal na quantidade ideal, e os mexilhões levemente elásticos, sem estarem se desmanchando e nem duros demais. É um orgasmo gastronômico, não tem outro termo!






Estou a ponto de explodir, e o garçon pergunta qual dos três  tipos de sobremesa que desejamos. Escolho profiterolis com calda de chocolate. Vem mais ou menos uns cinco bolinhos macios e doces, recheados de um creme de chocolate mais denso com uma calda fina e quente de chocolate por cima. Provo um e tenho vontade de chorar, por ter comido tanto e não ter reservado espaço para a sobremesa. Ainda nos oferece um café e saímos sorrindo, mal podendo andar e simplesmente sem condições de subir 3 pisos de escadas medievais.
Resolvemos andar por Barcelona.


Gaudí



Parte do teto da Casa Pedreira de Gaudí


Falar de Barcelona e não falar de Gaudí é impossível. Barcelona é Gaudí, não só nas casas, mas nas roupas, nos cabelos, no jeito. É essa harmonia do clássico do antigo, do medieval, junto com o inovador e o original, pode-se ver mulheres extremamente elegantes, com cabelos coloridos de cores vivas, em penteados que assemelham-se aos punks, homens de ternos bem cortados com tênis extremamente velhos e mochilas de couro. Mulheres de tailleurs andando de bicicleta e salto alto. Barcelona tem este contraste, o contraste que Gaudí muito bem consegue, Barcelona é como Gaudí, único, um mosaico de cores e formas únicas. Barcelona é como Gaudí, não se pode copiar, não se pode mudar algo é um todo criativo e único, não se reproduz, Gaudí é Gaudí, como Barcelona é Barcelona, incomparável. A galeria de Gaudí são as ruas. Não se pode comprar Gaudí e encerrar em um museu para poucos verem, ele está ali em cores o formas para todos verem, pelo menos, as formas externas dos prédios que se vão insinuando na avenida de la Gracia no centro de Barcelona.

Depois de sairmos do mercado Santa Catarina, ainda com pesar dos profileloris que ficaram para trás, resolvemos dar uma caminhada para facilitar a digestão. Lentamente, sem pressa e sem planos vamos andando pelas ruelas do bairro gótico, duas quadras de onde estamos está a grande catedral gótica na praça central. O lugar é lindo, depois do claustrofóbico bairro gótico com suas vielas, esta praça é um amplo espaço transformado em palco para diversos artistas. Em frente a catedral está o Grand hotel Colon, com seu café e mesinhas com ombrelones enormes e um trânsito imenso de turistas. Nesse espaço Barcelona é uma babilônia, é um festival de idiomas que não se pode imaginar. É interessante sentar e imaginar de onde são as pessoas. Eu adoro sentar em um café e ficar fazendo este exercício de adivinhar as vidas. Com o tempo, pode-se identificar facilmente quem é quem na Babilônia, mesmo porque os de fora, na maioria das vezes tem os olhos grudados as máquinas fotográficas. Isso é algo que me impressiona, parece que as pessoas substituíram os sentidos por aparelhos, a memória é os memory cards das câmeras fotográficas. Existe um estilo próprio dos nativos. É algo que se mostra em algum detalhe, algo diferente, Qualquer um com uma calça cargo e uma mochila pode ser de qualquer local, ainda mais neste oceano de gente, mas, a bandana no cabelo amarrada junto com um coque com cabelos arrepiados em uma ponta e fofos na outra, denunciam que a moça com certeza é nativa, o que depois se verifica ao ela encontrar com outra que está com duas outras crianças com uniforme escolar e saírem conversando alegremente em bom catalão.


Depois da manifestação na Praça a pichação


Saímos andando por Barcelona, atravessamos o bairro gótico até chegar nas Ramblas, a grande avenida que nos leva até a praça central. Na praça central tem uma concentração de jovens auto intitulados, os revoltados, que fazem protesto pela crise espanhola. É um protesto pacífico, onde se vê uma porção de jovens alojados como se fosse um acampamento, pareciam ter saído diretamente dos anos setenta. Os pombos fazem coreografias na quente tarde primaveril de Barcelona a cada passagem de qualquer pessoa. Bem ao centro da praça sentada em uma cadeira, em um lugar de destaque está uma mulher vestida de preto, pintada, com um chapéu na cabeça em um protesto silencioso, as pessoas se aproximam, olham, mas ninguém diz nada. Há um imenso outdoor que ocupa toda a parede de um grande prédio vizinho à praça onde evidencia-se uma multidão e um casal se beijando. Só os rostos do casal original foram substituídos por um recorte com rostos de um casal gay.


Alteração em um cartaz gigantesco, Barcelona 2012

No dia seguinte o cartaz corrigido



Ficamos imaginando quem poderia ter subido lá para fazer isso, pois é muito alto. Após atravessar a praça encontramos a Avenida de la Gracia, uma avenida larga onde carros, ônibus, motos, bicicletas se misturam em uma ordem caoticamente coordenada. Nesta avenida concentram-se os cafés, as lojas de grife, e os imensos prédios que variam do medieval, ao neo-clássico, passando é óbvio por Gaudí, que não ouso tentar classificar! Apenas andar por aqui e observar as vitrines de Chanel, Balenciaga, Gautier, já me faz sentir-me rica. Aqui correm sobre saltos altos elegantes mulheres envoltas em echarpes, com bolsas de metais brilhantes, sentadas aos cafés conversando com outras da mesma espécie, é impressionante a mudança da Rambla e da praça para este ponto perto das casas de grife. A multidão de turistas segue ordeiramente em seu aspecto pleomórfico e concentra-se à frente da casa de Gaudí, eles são diferentes entre eles e diferentes do entorno também.


A Pedreira, Casa de Gaudí 



Uma concentração frente ao grande prédio que é diferente de tudo ao redor. Parece um sorvete derretido, destes de sabores exóticos tipo kiwi e melancia, ao mesmo tempo me lembra os castelos de areia feitos com areia molhada das praias do sul, onde a água escorre da areia e ela se adere formando torres como se fossem formigueiros. Os vitrais coloridos são brilhantes, revestidos de mosaicos cerâmicos de cores vivas. A impressão que dá é que se fixarmos o olhar ela começara a trocar de cor como se fosse um caleidoscópio. Pode-se evidenciar uma certa assimetria nas curvaturas, não é reta, não é perfeitamente curva. Essa imperfeição das linhas curvas e assimetrias das  retas me faz pensar que parece que o próprio Deus com suas mãos enormes desceu aqui para brincar de argila. Parece esculpida à mão por algum gigante enorme e criativo e pintada com giz de cera mágico. É algo impressionante, incomparável com nada que eu havia visto na vida.

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